FIT 2021: Especialistas analisam impactos das renúncias fiscais na distribuição de renda

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O FIT 2021 trouxe para o debate, nesta quinta-feira (21/10), o tema “Renúncias tributárias e distribuição de renda”,  relevante, especialmente para o Brasil, que registrou, em 2020, R$ 320 bilhões em renúncias fiscais. Coordenou o debate Lígia Regina Sabaraense, diretora de Assuntos Intersindicais e Formação Sindical do Sinafresp. A debatedora foi a jornalista Adriana Fernandes, do O Estado de S.Paulo.

O tema foi abordado pelo doutor em Economia pela Universidade de Lugano (Suiça), Augustin Redonda, da Council on Economic Policies – CEP (Zurich) e colaborador da OCDE, que falou sobre o impacto das reformas tributárias e como essas mudanças podem melhorar a eficácia e a justiça fiscal, além de reduzir a desigualdade de renda e aumentar os resultados das políticas de enfrentamento aos efeitos da Covid-19.

Em relação aos gastos tributários, Redonda disse que esse “é um ponto crucial a ser resolvido” pelos países. Inclusive, chamou atenção para a falta de uma provisão de dados e avaliação constante dos gastos tributários. “Apenas 42 países fazem esses relatórios”, disse. Ele destaca que algumas das funções dos gastos tributários é a função de mitigar as desigualdades nos países e, quanto aos interesses políticos, têm efeitos na distribuição da renda, com transferência direta para as pessoas. “Deveríamos avaliar a eficácia, principalmente as que buscam enfrentar a desigualdade. Os efeitos colaterais também devem ser avaliados”, ressaltou.

Augustin Redonda também explicou sobre a Tex Expenditures (TEs), adotado nos Estados Unidos, que são disposições fiscais que se desviam de um sistema tributário normativo ou de referência. O dispositivo é um modelo aplicado a fim de promover incentivos e benefícios fiscais, isenções, taxas reduzidas, deduções e créditos fiscais que reduzem os passivos dos contribuintes, bem como as receitas dos governos.

Na avaliação do especialista, é preciso observar onde essas renúncias tributárias estão sendo aplicadas, adotar medidas de distribuição de renda direta e indireta, além de avaliar as desonerações. “Se não forem progressivas, podem agravar ainda mais a desigualdade”, destacou.

Daniel Artana, professor da Universidade Nacional de La Plata (Argentina), frisou que a primeira questão a observar é que as renúncias têm um alto custo fiscal, com grande impacto no PIB. E, diante disse, lançou a pergunta: “se as despesas tributárias têm alto custo fiscal, por que temos renúncias elencadas?”. Para avaliar os resultados das renúncias, Artana apresentou trechos de seu trabalho, elaborado com a participação do BID (Banco Interamericano de Desenvolviment), que analisa vários países da América Latina na busca de verificar se as isenções fiscais geram de fato investimento.

Com a revisão bibliográfica, Artana mostrou a dificuldade em mensurar os impactos dos incentivos, dificultando observar se a medida trouxe investimento maior para o setor ou se houve algum retorno para a sociedade. Autores como Howell H. Zee, Vergara, Alvaro Bustos, Eduardo Engel, Alexander Galetovic, Ann Harrison, Andrés Rodríguez-Clare, Van Parys demonstram que os incentivos fiscais apresentam pouco ou efeito nulo em termos de eficiência.

Para Artana, é possível fazer muitas coisas para melhorar os gastos tributários, a fim de que os países se concentrem na progressividade. O professor sugeriu a continuidade da produção de estudos sobre o assunto, pois, segundo ele, os políticos encontram argumentos que não estão nos estudos. “Temos que analisar com seriedade a relação entre custo e benefício. Com meus estudos, não vi nenhum país onde se faça análise de custo e benefício com muita seriedade para saber se é conveniente ou não um benefício fiscal para favorecer setores”, concluiu.

Michael Jorratt, consultor em política e administração tributária, analisou as despesas tributária e a importância de melhorar a progressão dos sistemas de impostos. “Despesas tributárias são uma transferência de recursos públicos realizada por meio da redução das obrigações tributárias com relação a um imposto de referência, e não por meio de gastos diretos”, explicou.

Segundo Jorratt, o sistema tributário também é utilizado pelos países para promover objetivos de política econômica, como incentivar a poupança ou estimular o emprego, sendo um papel semelhante ao dos gastos públicos, por meio da renúncia à cobrança. Em relação às renúncias, observou que poucos países medem seus efeitos distributivos. “Existe uma necessidade de avaliação constante dos gastos tributários, como poucos países fazem”, disse.

Citando o Chile, no caso do IVA, imposto que visa atenuar a regressividade própria dos impostos, há uma proposta em discussão, que é o IVA Personalizado (IVA-P), que é uma alternativa para reduzir a taxa de alguns produtos, cujo consumo vai impactar os lares com menor receita, e aumentar a progressividade da tributação. Uma das medidas seria reduzir em 5% o imposto sobre alimentos.

A jornalista Adriana Fernandes lamentou que o processo político impeça um avanço nessa questão. Para ela, várias oportunidades estão sendo perdidas no Congresso para se fazer uma mudança efetiva. Pelo contrário, o aumento das renúncias fiscais, no Brasil, é uma realidade. De 2%, no início dos anos 2000, o percentual de renúncias subiu para 4,65% do PIB, em 2020. Na pandemia, esse debate surgiu como uma saída para a recuperação econômica, porém nada foi feito de efetivo no período. “As renúncias brasileiras não se movem. Houve tentativa de reduzir elas, mas as pressões políticas inviabilizaram esse plano”, citou

Outro movimento para aumentar a progressividade, conforme destacou a jornalista, ocorreu com a votação do projeto de reforma do Imposto de Renda. “Ele foi para o Congresso com um modelo progressivo, mas no final, o que vimos, foi a desfiguração do projeto, tornando-o sem eficácia para colocar maior progressividade na tributação”, relatou. O projeto está no Senado Federal e encontra dificuldade em avançar.

Fernandes citou a criação, em 2015, de um Conselho de Monitoramento, que tem feito estudos das políticas, mas, segundo a jornalista, o que se viu é que as avaliações não conseguem se transformar em mudanças efetivas. No Brasil, exemplificou, as renúncias dão incentivo para a fabricação de concentrados de refrigerantes, mesmo quando a Receita Federal mostra que práticas ilícitas desse setor geraram contencioso de mais de R$ 125 bilhões. “As mudanças esbarram no ambiente político”, constatou.

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