A reforma administrativa e seus impactos para os servidores públicos foram abordados em palestra do consultor em Políticas Públicas e advogado, Luiz Alberto dos Santos, nesta quinta-feira (25/9), durante a XXX Convenção Nacional da ANFIP, em Brasília. O especialista fez análise histórica do papel do Estado brasileiro, destacou a importância da Constituição de 1988 e criticou as propostas recentes que, segundo ele, fragilizam a administração pública.
O painel foi mediado pelos vice-presidentes Jorge Cezar Costa (Financeiro) e Márcio Humberto Gheller (Planejamento e Controle Orçamentário), tendo como debatedor o advogado Felipe Teixeira Vieira, do Escritório Farag, Ferreira e Vieira Advogados.
Logo no início, Luiz Alberto recordou o fundamento constitucional da atuação do Estado. “Temos garantias de direitos, a prestação de serviços universais na saúde, educação, segurança. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem efetivamente um sistema único de saúde universal e gratuito, com cobertura ampla e sem discriminação”, disse.
Ele explicou que, para assegurar esses direitos, é preciso uma estrutura estatal sólida: “O Estado, para cumprir suas funções, precisa estar estruturado. Ele tem que ser sobretudo profissional e transparente, com estruturas administrativas, de pessoal, físicas e tecnológicas robustas.”
Estado mínimo x Estado garantidor
Ao traçar um panorama das reformas desde os anos 1990, o consultor criticou a lógica do chamado “Estado mínimo comprador”: “Foi um movimento iniciado nos Estados Unidos e copiado por países da América Latina, como Brasil e Argentina, em que o Estado passaria a ser apenas um repassador de dinheiro para o setor privado. Isso gerou um Estado frágil, sem efetiva capacidade de atuação, incompatível com a nossa Constituição.”
Sobre a PEC 32, enviada em 2020, ele foi enfático: “Essa proposta concretiza uma abordagem fiscalista em seu nível mais extremo, fortalecendo a terceirização, a precarização do trabalho, criando novos vínculos e desmontando a administração pública. Ela não foi votada em plenário, mas estava pronta para isso em 2022.”
O mito do inchaço do serviço público
Luiz Alberto contestou o discurso de que o Brasil teria excesso de servidores: “São cerca de 12% da força de trabalho no serviço público, enquanto a média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] é de 18%, chegando a 30% nos países nórdicos. Não temos inchaço nem excesso de gastos. As distorções salariais existem, mas são pontuais.”
Novo grupo de trabalho na Câmara
O palestrante também criticou a forma como a Câmara dos Deputados vem conduzindo os debates sobre uma nova proposta de reforma: “O grupo de trabalho criado pelo deputado Hugo Motta [presidente da Câmara] restringiu drasticamente a participação das entidades sindicais, dando apenas três minutos de fala em audiências. Isso é um escândalo. Além disso, não apresentou até hoje um texto concreto. O que temos são apenas entrevistas e falas vagas do relator.”
Super salários e privilégios
Entre os temas levantados, Santos destacou os abusos que extrapolam o teto constitucional: “Um grande contingente de magistrados e membros do Ministério Público vem recebendo há anos parcelas acima de R$ 60 mil ou R$ 70 mil líquidos. Há também o caso dos honorários advocatícios da Advocacia-Geral da União, que têm gerado pagamentos de até R$ 300 mil em um único mês. Isso é insustentável e precisa ser enfrentado.”
Riscos à estabilidade e contratações precárias
Sobre as novas ideias ventiladas em torno da proposta do Grupo de Trabalho da Câmara, Luiz Alberto fez críticas severas: “O relator defende ampliar contratações temporárias. Já temos hoje 26% de servidores temporários na administração pública, chegando a mais de 31% nos municípios. Isso leva à precarização.”
Ele também alertou para a ameaça de supressão de direitos: “Estão propondo demissão por insuficiência de desempenho vinculada a avaliações anuais. O problema é que, historicamente, as gratificações de desempenho foram usadas para romper a paridade, e não para melhorar a gestão.”
Conclusão: fortalecer, não desmontar
Ao encerrar a palestra, Luiz Alberto dos Santos reforçou que o país precisa de mudanças, mas em outra direção: “É necessário, sim, uma reforma, mas uma que assegure o Estado como instrumento da cidadania, que valorize o serviço público, que equilibre eficiência, equidade e transparência. Uma gestão democrática, profissional, com estabilidade e participação social. Precisamos inovar e modernizar, mas sem precarização.”
E finalizou com um alerta: “Não podemos nos enganar com discursos facilitadores. Muitas propostas representam, na prática, um desmonte do Estado. Precisamos estar atentos para não comprometer o futuro dos serviços públicos e dos direitos sociais garantidos pela Constituição.”
A palestra completa está disponível no canal da TV ANFIP, no Youtube. Clique aqui para assistir.
Confira também a programação da XXX CNO na página exclusiva do evento.