“A Receita Federal vai parar”, afirma presidente em reunião emergencial do Conselho Executivo

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A ANFIP segue traçando estratégias contra o desmonte do serviço público trazido pelo texto substitutivo à PEC 186/19 que, ao aprovar o auxílio emergencial necessário para grande parcela da população, também implementa medidas que afetam os servidores e a Receita Federal do Brasil. Com o objetivo de discutir os efeitos do projeto e desenvolver ações de defesa, o Conselho Executivo da Entidade realizou uma reunião, na sexta-feira (5/3), com a participação do analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz (Toninho), também consultor parlamentar da ANFIP.

O especialista apresentou uma análise ampla e didática sobre o cenário de criação da PEC 186/19 e o histórico de evolução da matéria desde a elaboração do Plano Mais Brasil, que além da referida proposta também inclui as PECs 187/19 (Fundos Públicos) e 188/19 (Pacto Federativo), até a sua aprovação no Senado Federal.

Para Antônio Queiroz, a proposta é um aprofundamento de outras reformas e ações já realizadas que ampliam a desigualdade e pobreza no Brasil, como: a Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos), que congelou, em termos reais, o orçamento público por 20 anos; a Reforma Trabalhista, que criou novas modalidades precárias de contratação de trabalho; a terceirização generalizada, que também precariza as relações e condições de trabalho além de reduzir o salário; e a Reforma da Previdência, que modificou os fundamentos da concessão do benefício em 3 dimensões e todos em prejuízo do segurado: aumento da idade, aumento do tempo de contribuição e redução do benefício.

No contexto exposto pelo assessor, os efeitos da matéria elaborada sob a lógica do ajuste fiscal, para os servidores públicos, bem como para a sociedade, são drásticos, pois ela institui um conjunto de medidas que terão como consequência o desmonte do Estado de Proteção Social, a desorganização administrativa e a fragilização do serviço público.

Histórico- Inicialmente, o relatório do senador Oriovisto Guimarães (PODE/PR) manteve e aprofundou diversos pontos extremamente polêmicos, entre os quais estava a possibilidade de redução da jornada e salários dos servidores em até 25%.

Com a pandemia, o debate sobre a PEC acabou adormecido ao longo de 2020, tendo sido retomado apenas em dezembro daquele ano, quando circulou uma minuta de um substitutivo do senador Marcio Bittar (MDB/AC). Em 2021, a proposta ganhou prioridade com a incorporação do auxílio emergencial, de modo a quebrar protocolos e previsões regimentais, para permitir que a proposta pudesse ser deliberada diretamente no Plenário do Senado, mesmo sem ter recebido parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Em 3 de março de 2021, o relator, senador Marcio Bittar, apresentou nova e última versão de substitutivo à PEC 186/2019. Como se esperava, o relator fez alterações ao texto, em resposta a pressões de líderes e movimentos sociais, em especial quanto à exclusão do piso de despesas e vinculações de recursos para saúde e educação e aos programas de desenvolvimento financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Assim, mesmo com as respectivas mudanças, a proposta ainda sacrifica sobremaneira os servidores públicos, os colocando como principais alvos para solução da suposta crise fiscal.

Por fim, o relator acatou uma alteração em um dos pontos mais polêmicos do texto que se trata do congelamento de aumentos, bonificações, promoções e progressões dos servidores públicos por até 2 anos após o estado de calamidade pública. Com a mudança, as referidas vedações vigoraram até o término da calamidade pública. Assim, considerando a situação em 2021, a medida não tem outro nenhum impacto prático para além daqueles já previstos na Lei Complementar n.º 173, que suspendeu todas essas ações até o final do presente ano.

Em Plenário, infelizmente, nenhum destaque para votação em separado foi aprovado, permanecendo o último texto que seguiu para apreciação da Câmara dos Deputados, que travará uma difícil luta para os servidores públicos.

Consequências para a RFB – As alterações trazidas pelo projeto, caso seja aprovado como está, também oferecem riscos enormes à RFB ao alterar o inciso IV do artigo 167, excluindo a regra constitucional que permite a vinculação de receitas de impostos para a realização de atividades das Administrações Tributárias federal, estaduais e municipais, colocando em risco a arrecadação e, por consequência, os orçamentos dos entes federados. Um dos fundos afetados é o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), que garante recursos para financiar ações da RFB em benefício da sociedade. Ele permitiu diversas inovações ao longo dos últimos anos, como o pioneirismo na declaração de pessoas físicas pela internet, o sistema informatizado de controle aduaneiro (Siscomex), a nota fiscal eletrônica e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), que são referências internacionais.

A ANFIP ressalta que as Administrações Tributárias exercem atividades essenciais ao funcionamento do Estado e deverão ter recursos prioritários para a realização de suas competências.  “Se isso for aprovado do jeito que está a RFB vai parar, e se acontecer, não é porque os Auditores e servidores vão entrar em greve, mas, porque a Receita não terá condições de funcionamento com um orçamento que ela não tem”, alertou o presidente Décio Bruno Lopes, que também destacou a importância de os representantes entrarem em contato com os parlamentares para debater a situação e expor as consequências gravíssimas da implementação da medida.

Tramitação– A matéria foi encaminhada para apreciação da Câmara dos Deputados com previsão de relatoria do deputado Daniel Freitas (PSL/SC), aliado do presidente da República, e que tende a manter o relatório aprovado pelo Senado. De acordo com Antônio Queiroz, o rito normal de tramitação seria a PEC passar pela CCJC, ir para a Comissão Especial abrindo o prazo de 10 sessões para sugestões de emendas, e, em seguida, ser direcionada para o Plenário para ser votada em dois turnos. Porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), decidiu adotar um rito diferente, levando a matéria diretamente para votação no Plenário, eliminando as etapas e impedindo a apresentação de emendas.

A alteração da matéria necessita de um trabalho aprofundado de debates e intervenções. Apesar do cenário crítico limitado no Congresso Nacional, onde trabalhos que também deveriam ocorrer com a participação da população e das entidades de classe, estão sendo decididos de maneira fechada, a ANFIP segue lutando em defesa dos servidores e da boa prestação de serviços à sociedade.  “Temos que correr em todos os cantos para ter noção do que é possível fazer. Na situação em que o cenário foi desenhado e está amarrado, parece que está tudo consumado, mas a nossa ação e de todas as entidades deve ser no sentido de ir até o último momento em que for possível fazer alguma coisa”, frisou Décio Lopes.

Durante o encontro, os integrantes do Conselho Executivo discutiram diversas iniciativas que já estão sendo implementadas pela ANFIP para uma atuação direta e efetiva em combate ao desmonte promovido pelo governo, que se vale da situação emergencial que o país está vivendo para instituir medidas catastróficas.

Confira os cinco grandes eixos de estruturação do substitutivo defendido pelo relator e aprovado pelo Senado:

  1. Arcabouço Fiscal de Médio e Longo Prazo

Estabelece que Lei Complementar disciplinará a sustentabilidade da dívida, que apresentará indicadores de sua apuração, níveis de compatibilidade dos resultados fiscais, trajetória de convergência do montante da dívida, medidas de ajustes, suspensões e vedações, inclusive a autorização para aplicação dos gatilhos fiscais do art. 167-A, que: congela salários (exceto decisão judicial com trânsito em julgado), promoções e progressões dos servidores; veda a criação de cargos que implique despesa; veda a reestruturação de carreiras com implicação de despesas; veda a contratação de pessoal efetivo, exceto vacância; veda a realização de novos concursos públicos, exceto para reposição; veda a criação ou majoração de auxílios; veda a criação de nova despesa obrigatória; e veda a elevação de despesa obrigatória acima da inflação.

  1. Reforço das Regras Fiscais Vigentes
  • Modifica o Teto de Gastos (EC 95), que é aplicável no âmbito da União, para permitir o acionamento de gatilhos quando a relação entre a despesa obrigatória primária e a despesa primária total supere 95%. Portanto, o gatilho seria acionado não mais quando as despesas do órgão/Poder no ano vigente superem as despesas do ano anterior acrescido da inflação do período. Neste caso, os salários (exceto decisão judicial com trânsito em julgado), as promoções e as progressões dos servidores ficariam congelados. Além disso, são vedadas a criação de cargos que implique despesa; a reestruturação de carreiras com implicação de despesas; a contratação de pessoal efetivo, exceto vacância; a realização de novos concursos públicos, exceto para reposição; a criação ou majoração de auxílios; a criação de nova despesa obrigatória; e a elevação de despesa obrigatória acima da inflação.
  • Acrescenta as despesas com pensionistas para efeito de apuração dos limites prudenciais de gastos com pessoal de que trata a Lei de Responsabilidade Fiscal.
  • Promove a redução tímida e gradual de benefícios tributários. Neste caso, estabelece que o presidente da República deverá encaminhar ao Congresso Nacional, em até 6 meses após a promulgação da emenda, plano com a redução das desonerações. Manterão as desonerações: as microempresas, as entidades beneficentes de assistência social, as áreas de livre comércio e zonas francas, os produtos que compõem a cesta básica; e concedidos aos programas estabelecidos em lei destinados à concessão de bolsas de estudo integrais e parciais para estudantes de cursos superiores em instituições privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos.
  • Lei complementar tratará de critérios objetivos, metas de desempenho e procedimentos para a concessão e a alteração de incentivo ou benefício de natureza tributária, financeira ou creditícia para pessoas jurídicas do qual decorra diminuição de receita ou aumento de despesa; regras para a avaliação periódica obrigatória dos impactos econômico-sociais dos incentivos ou benefícios, com divulgação irrestrita dos respectivos resultados.
  1. Estado de Calamidade Pública Nacional
  • Permite que o presidente da República e o Congresso Nacional decretem o estado de calamidade pública. Durante o estado de calamidade pública, os gatilhos fiscais, de que trata o art. 167-A, são acionados automaticamente no âmbito da União, Estados e Municípios e perduram até fim da calamidade. Assim, durante o período de calamidade ficam congelado os salários (exceto decisão judicial com trânsito em julgado), promoções e progressões dos servidores. Além disso, são vedadas a criação de cargos que implique despesa; a reestruturação de carreiras com implicação de despesas; a contratação de pessoal efetivo, exceto vacância; a realização de novos concursos públicos, exceto para reposição; a criação ou majoração de auxílios; a criação de nova despesa obrigatória; e a elevação de despesa obrigatória acima da inflação. Apenas é autorizada a contratação temporária.
  • Desvincula o superávit financeiro de fundos públicos para abater despesas da calamidade ou dívida.
  • Durante a vigência de estado de calamidade pública de âmbito nacional, decretado pelo Congresso Nacional por iniciativa privativa do presidente da República, a União deve adotar regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, somente naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular.
  • Com o propósito exclusivo de enfrentamento da calamidade pública e de seus efeitos sociais e econômicos, no seu período de duração, o Poder Executivo federal pode adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras que assegurem, quando possível, competição e igualdade de condições a todos os concorrentes.
  • O superávit financeiro apurado em 31 de dezembro do ano imediatamente anterior ao reconhecimento pode ser destinado à cobertura de despesas oriundas das medidas de combate à calamidade pública de âmbito nacional e ao pagamento da dívida pública.
  • Lei Complementar poderá definir outras suspensões, dispensas e afastamentos aplicáveis durante a vigência do estado de calamidade pública de âmbito nacional.
  1. Emergência Fiscal para Entes Subnacionais
  • Faculta aos entes subnacionais o acionamento de gatilhos fiscais quando a relação entre as despesas e as receitas correntes supere 95% ou, com a necessidade de convalidação pelo Legislativo, quando superar 85%. Com o acionamento dos gatilhos poderão ser aplicadas no todo ou em parte: o congelamento de salários (exceto decisão judicial com trânsito em julgado), promoções e progressões dos servidores; veda a criação de cargos que implique despesa; veda a reestruturação de carreiras com implicação de despesas; veda a contratação de pessoal efetivo, exceto vacância; veda a realização de novos concursos públicos, exceto para reposição; veda a criação ou majoração de auxílios; veda a criação de nova despesa obrigatória; e veda a elevação de despesa obrigatória acima da inflação.
  • Nenhum ente poderá prestar garantias para o Estado ou Município que deixe de acionar os gatilhos quando extrapolar o limite de 95%.
  • Prorroga o prazo para pagamento de precatórios judiciais pelos entes subnacionais até 31 de dezembro de 2029.
  1. Auxílio Emergencial
  • Autoriza o pagamento de auxílio emergencial fora do teto de gastos, com limite de despesa fixado em R$ 44 bilhões.