Após a medida do governo federal que atualizou o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) e instaurou a substituição do controle de frequência dos servidores federais por um controle de produtividade, entidades representativas das classes saíram em elogios e críticas à ação. A flexibilização no rigor do controle de pontos é visto com dubiedade pelos grupos. Junto a isso, sindicatos acusam o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) de falta de diálogo, já que as modificações a serem instauradas não foram desenvolvidas junto às entidades.
Em webinar realizado pelo governo federal, o Secretário de Gestão e Inovação do MGI, Roberto Seara Machado Pojo Rego, esclareceu que vai caber aos gestores de cada órgão se o PGD se torna obrigatório a toda a organização. Atualmente, 125 órgãos do governo federal aderiram ao programa.
“Antes, era facultado ao servidor aderir ou não ao programa. Agora, é o dirigente máximo quem tem esse poder de decisão”, disse.
Jose Celso Pereira Cardoso Junior, assessor Especial do MGI, detalhou que, junto à Instrução Normativa, será preciso melhorar a estrutura dos órgãos e o suporte aos trabalhadores.
“Trata-se de uma aposta, de uma inovação no âmbito da gestão para aprofundar o processo de transformação positiva do estado. A administração quer entregar serviços a população. E vamos realizar isso empoderando órgãos e transferindo responsabilidade e autonomia às gestões”, concluiu.
O doutor em Direito Glauco Wamburg, ex-presidente do INSS, lembra que o programa vigente é o mesmo do governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Contudo, a Instrução Normativa repagina o programa, por torná-lo mais voltado aos parâmetros federais e instaura medidas uniformizadas para o que, antes, eram no “cada um por si”.
“O PGD existe desde 2022. A adesão a ele é voluntária. A partir dessa ordem do governo, os gestores levarão os órgãos – e consequentemente os servidores – a atuarem dentro do conjunto de regras estabelecidas pela portaria”.
Com a substituição horário prestado pela mensuração das entregas feitas, caberá a cada chefe de aos órgão que aderir ao PGD elaborar os planos de meta dos órgãos e, junto aos servidores públicos, os planos de trabalho.
Sindicalistas avaliam
O presidente Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Vilson Romero, alerta que os funcionários devem estar atentos à coação trabalhista.
‘Temos que estar atentos para que os dirigentes dos órgãos não usem essa autonomia para restringir indevidamente o direito dos trabalhadores”, afirma.
Alguns grupos afirmam que o estabelecimento das diretrizes que o governo impôs podem facilitar o dia de trabalho dos servidores. Alexandre Lisboa, presidente da Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), destaca que, para o servidor público, a medida pode ser excelente, por facilitar o fluxo de trabalho. Por outro lado, pode impactar em problemas para a população.
“Imagina que você precise de uma informação ou um atendimento. Ao chegar na agência, não tem servidores, porque já cumpriram a meta do dia e, por isso, partiram”, exemplifica.
Lisboa complementa a ponderação ao salientar que uma medida mais eficaz a ser instaurada pode ser contemplada pela avaliação de desempenho, realizada pelos gestores diretos e colegas de órgãos, para evitar que os trabalhadores se sobrecarreguem ou desempenham suas funções com morosidade.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado elucida a Instrução Normativa do governo avança as anteriores, ao permitir mais autonomia e interseccionalidade no trabalho dos servidores, o que, segundo ele, aumentará a produtividade.
“Com a ampliação de dispensa de pontos, não há mais limite para o número de servidores que pode sob esse regime. Ademais, a criação dos ‘Times Volantes’, que cria um programa de maior colaboração entre órgãos, vai auxiliar nas metas dos funcionários”.
Faltou diálogo
A mudança, na avaliação dos representantes sindicais é tecnicamente correta, mas deixou passar questões por não ter ouvido as entidades. João Domingos, presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, argumenta que a inovação do novo método avaliativo, baseado na instauração de metas, blinda os servidores das orientações político-partidárias dos gestores.
“Muitos gestores estão em cargos por indicação política, sem conhecimento técnico. E agem de acordo com as orientações políticas, sem estar focado no interesse do usuário do serviço público. Com essa medida, o gestor também está sob avaliação em todos os momentos. E a falta de entrega de uma pessoa na equipe significará, também, a falta de entrega dele próprio, já que suas metas estão relacionadas”, finaliza.
Com uma Mesa Nacional de Negociação a todo vapor, os sindicalistas não viram com bons olhos a publicação do governo sem que fossem consultados. Fábio Faiad, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central, repudiou a postura do governo.
“Na mesa, foi solicitado que o governo levasse uma minuta, para que isso fosse discutido junto aos grupos”.
Paulo Américo, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde e Previdência (Sindsprev), acentua que o grande problema da implementação da avaliação de desempenho no serviço público é qualidade da entrega do serviço oferecido à população.
“Dependendo de como os gestores estabelecerem, pode afetar a excelência dos atendimentos aos brasileiros. Muitas vezes, para alcançar as metas, o tratamento mais adequado e detalhado aos casos pode deixar de ser realizado”, adverte.
Também diretor do Sindsprev, Rolando Medeiros acredita que a Instrução Normativa pode adoecer os servidores, por não levar em consideração que as demandas nem sempre tem o mesmo grau de complexidade.
“Se um servidor tiver uma demanda muito complexa que trave o andar da sua produção, ele vai ser penalizado. E terá que trabalhar 12, 14 horas por dia para compensar. É uma lógica que, dentro de um funcionalismo envelhecido e sem suporte estrutural, vai adoecer as categorias”.
O próprio estabelecimento do projeto não deixa claro em quais parâmetros os gestores se basearão para estabelecer as metas junto aos funcionários. Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, que representa cerca de 80% dos servidores do Executivo federal, critica a publicação da instrução normativa.
“Não nos parece o melhor caminho já que temos uma mesa de negociação permanente aberta que deveria ser o espaço onde o diálogo sobre esses temas fosse tratado. Nós entendemos que é ruim a prática monocrática dessas publicações que geram impacto direto na administração pública. Nós não queremos ser informados pelo Diário Oficial da União, queremos participar do processo”.
Estadualização
Um levantamento realizado pelo EXTRA mostra que nenhum estado adere ao modelo proposto pelo governo, que deixa de lado o controle de pontos e o troca pelo estabelecimento de metas.
A deputada estadual do Rio de Janeiro Martha Rocha (PDT), presidente da Comissão de Servidores da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, avalia com positiva a ação ministerial e acredita que a Instrução Normativa pode ser espelhada pelos governos estaduais.
“As medidas intensificam o foco na gestão por resultados e aumentam a transparência sobre as atividades realizadas pelo próprio governo. A ideia de que bater ponto garante produtividade é ultrapassada. As novas regras são modernas e buscam aperfeiçoar a eficiência das instituições públicas por meio da definição de metas claras e avaliação de desempenho dos servidores públicos”.
O que pode ter inspirado essa ação do governo?
A efetivação mais elaborada do Programa de Gestão e Desempenho se pautou fortemente na medida provisória 1.181, que determinou a volta do bônus de produtividade do Instituto Nacional de Seguro Social, para reduzir a fila de solicitações ao órgão.
Segundo apurado pela reportagem, desde o início do governo Lula (PT), paira o entendimento no Palácio da Alvorada de que o serviço público precisa ser levado a um grau de mais assertividade na entrega à população.
Dessa forma, o programa do INSS foi implementado com uma única condição: para que passassem a receber os valores pela produtividade, os servidores teriam que “pagar” um pedágio de 30% ao governo. A exigência é inédita nos quatro anos de programa de enfrentamento à fila.
De acordo com um membro do governo que preferiu não se identificar, esse número foi feito a partir de um cálculo do governo que mediu a defasagem de produtividade do servidor público. Sendo assim, a Instrução Normativa desta segunda-feira, de certo modo, espelha o que foi implementado há duas semanas no INSS: direcionar o funcionalismo público a entregar mais serviços ao brasileiro.
Posicionamento do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos
Em nota ao EXTRA, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos comunicou o seguinte:
“A Instrução Normativa nº 24 regulamenta o Decreto nº 11.072, de 2022, e traz para o serviço público a ideia de construção e monitoramento de resultados a partir de entregas programadas. Com a adoção do Programa de Gestão e Desempenho, o controle da carga horária total do servidor – tanto no trabalho presencial quanto no teletrabalho – será mantido, como já vinha acontecendo. Ou seja, as atividades executadas devem corresponder ao número de horas trabalhadas e estarem inseridas dentro de um Plano de Trabalho.
Porém, agora, além do que cada servidor faz, será avaliado o que cada unidade entrega, o que de fato está sendo produzido dentro da organização. Cada unidade dentro do órgão superior deverá definir seu Plano de Entregas.
Isso é um avanço em relação à regra anterior do programa, que era muito voltada ao plano de trabalho individual. O objetivo é permitir que a administração possa avaliar com mais precisão o que está produzindo e como isso está chegando até o cidadão.
Portanto, as metas individuais continuam, mas não estão isoladas. Elas fazem parte de um conjunto maior de entregas da organização. Esse alinhamento das entregas, inclusive, é pensado a partir do planejamento estratégico da instituição.
Todo o plano de entregas será registrado em um sistema exclusivo online e será acompanhado e avaliado mensalmente, permitindo ajustes constantes pela chefia, se necessário.”
Fonte: Extra.