Na CDH, governo e entidades divergem sobre impacto da reforma da Previdência nos municípios

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Muitos estados e municípios já não conseguem arcar com o financiamento de seus regimes próprios de Previdência Social, o que leva a quadros de constantes atrasos no pagamento dos benefícios e de comprometimento da capacidade de investimentos. Esse foi o quadro apresentado pelo representante da Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, Allex Rodrigues, durante debate nesta segunda-feira (9/9) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal.

“Falo dos estados e municípios, mas falo também do governo federal, todos com sérias dificuldades para honrarem as despesas obrigatórias. Já há vários municípios e estados sem pagar aposentados. São casos de conhecimento público. Se não resolvermos o deficit estrutural que assolou o regime da Previdência pública, se não descomprimirmos o Orçamento, se não deixarmos sobrar nenhuma outra receita para investimentos em outras políticas, em pouco tempo o Congresso Nacional terá que decidir quais compromissos com a sociedade o Orçamento irá cumprir, e quais outros terão que ser suspensos”, alertou o representante do governo.
Rodrigues ainda detalhou que a secretaria de Previdência, desde que ainda era um ministério à parte na estrutura do governo federal, há muitos anos recebe prefeitos e governadores todos os dias relatando quadros de dificuldades crônicas na manutenção de seus regimes próprios de aposentadoria de servidores. Disse que a sustentabilidade desses sistemas foi corroída por um índice expressivo de aposentadorias precoces , mesclado com o aumento da sobrevida do brasileiro.”O deficit financeiro nos regimes próprios das prefeituras de capitais passou de R$ 7 bilhões para R$ 11 bilhões entre 2017 e 2018. E os deficits atuariais das prefeituras como um todo também são crescentes, em torno de R$ 1 bilhão”, finalizou Rodrigues.Enquanto a fala do representante do governo se ateve aos regimes próprios ligados ao poder público nos municípios, os representantes de entidades sociais voltaram suas críticas para o impacto da PEC 6/2019 sobre o regime geral de Previdência (RGPS) e, consequentemente, na economia das cidades.Aurora Miranda, da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita (Anfip), entende que a reforma terá um impacto arrasador para a economia da maioria das cidades do interior do país. A entidade avalia que o texto atual impedirá que milhões de trabalhadores se aposentem, e mesmo quem conseguir se aposentar, terá seus vencimentos achatados, gerando um círculo vicioso de empobrecimento por todo o país.
“Dados do próprio governo mostram que 70% dos municípios dependem do pagamento de benefícios previdenciários. E isso não é só no Nordeste, não; é em todas as regiões. Nos grotões deste país, quem faz 50 anos de idade já está completamente fora do mercado de trabalho e ainda muito longe da aposentadoria. O dinheiro da Previdência hoje é o motor da economia de mais de 3 mil cidades, é o que movimenta o comércio, mercearias, padarias, farmácias e ajudam na educação de filhos e netos. Esse sistema, que reduz a pobreza e a miséria, será paulatinamente destruído pelas novas regras, levando a uma queda no acesso à renda de milhões de famílias e na arrecadação municipal”, lamentou.

Ela ainda alerta que a informalidade tem explodido no país, fruto da reforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017), o que também impacta a arrecadação previdenciária. Ela ainda teme que os próprios trabalhadores acabem por se desinteressar em contribuir para um sistema sabendo que não irão se aposentar .

José da Mota Filho, da Sociedade Brasileira da Previdência Social (SBPS), afirmou que a PEC 6/2019 retirará R$ 5,2 bilhões da economia real já a partir de 2020, somente no que tange às novas regras de acesso ao abono salarial. E que o impacto será maior a cada ano que passa. Mota Filho é outro que criticou o impacto da reforma para a economia de pequenas cidades, utilizando levantamentos da própria Previdência.

“76,7% dos municípios recebem mais recursos do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] do que do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]. É evidente que a restrição dos benefícios, a diminuição dos valores e as supressões ao longo do tempo impactarão essas cidades. Isso vai ter que ser compensado por um aumento do FPM na reforma tributária“, disse o diretor da SBPS.

Mas Mota Filho fez questão de ressaltar também o impacto do dinheiro do INSS para as grandes capitais. Lembrou que São Paulo recebe hoje R$ 25,7 bilhões a mais por ano de recursos de aposentadorias e pensões do que do FPM. Já o Rio de Janeiro recebe R$ 16 bilhões a mais.

“Todo esse dinheiro, tanto faz se vai para grandes capitais ou pequenos municípios do interior, transforma-se quase todo, automaticamente, em consumo. As famílias mais pobres não têm capacidade de poupança, especialmente as que recebem entre 1 e 2 salários mínimos. Então todo este dinheiro é transformado em consumo de itens básicos, serviços, bens duráveis, saúde e educação. E tudo isso também vira ICMS [imposto estadual] que volta para estados e municípios”, afirmou.

Ao final, Mota Filho ainda criticou o governo por nada fazer no combate a empresas que sonegam a Previdência. O presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), disse que estes débitos já passaram de R$ 600 bilhões, com índices de apropriações indébitas que atingem R$ 30 bilhões por ano.