Em entrevista ao Portal Desacato, transmitida nesta quinta-feira (2/10) e conduzida pelos jornalistas Raul Fitipaldi e Sofia Andrade, o presidente da Fundação ANFIP de Estudos Tributários e da Seguridade Social, Vanderley José Maçaneiro, e Luiz Spricigo, da ANFIP de Santa Catarina (ANFIP-SC), avaliaram os avanços e desafios da justiça fiscal no país.
A conversa abordou a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de reforma do Imposto de Renda, ocorrida na quarta-feira (1º/10), que amplia a faixa de isenção até R$ 5 mil por mês e institui tributação mínima efetiva sobre contribuintes de alta renda.
Sobre a aprovação do projeto e sua relevância, Vanderley José Maçaneiro destacou: “Parece uma vitória bastante fácil, mas, na verdade, o caminho percorrido é muito árduo. O Estado brasileiro, o governo, principalmente a partir do começo dos anos 2000, está buscando voltar a tributar lucros e dividendos, e todas as vezes que tentou fazer isso não teve sucesso. Porque nesse país manda quem tem dinheiro. Só para que os ouvintes tenham ideia, só existem três países no mundo que não tributam lucros e dividendos: Estônia, Letônia e, mais recentemente, Malta — países sem expressão econômica, sendo Malta considerada hoje um paraíso fiscal”.
Para Maçaneiro, o governo foi muito inteligente em “amarrar” a correção do Imposto de Renda com medidas de compensação que, em sua avaliação, a sociedade rica reclama tanto, mas que são pequenas. “A tributação dos lucros e dividendos, da forma como foi proposta, a partir de R$ 600 mil, com uma alíquota progressiva de até 20% sobre rendimentos acima de R$ 1,2 milhão por ano, ainda é pequena e com várias possibilidades de compensação. Para se ter uma ideia, Espanha e Portugal tributam lucros em 28%, a Alemanha em 26,38%, a França em 34%, o Reino Unido em 39,25%, a Dinamarca em 42%, enquanto nós não tributávamos absolutamente nada desde 1º de janeiro de 1996”, detalhou.
Ele também criticou a tentativa de parte dos parlamentares de tentar ampliar as isenções fiscais: “Na tramitação, a oposição tentou de tudo, embora tenha governado de 2019 a 2022 sem corrigir um centavo do Imposto de Renda. Agora, quis propor isenções maiores. Mas isso faz parte da política. Na minha avaliação, o governo teve uma boa posição, fez uma boa negociação e quem ganha com isso é o povo brasileiro. Quem ganha R$ 5 mil por mês terá um acréscimo equivalente a um 14º salário ao longo do ano. E, nessa faixa de renda, esse ganho é bastante significativo, porque se transforma em consumo imediato, movimentando comércio, supermercados, gerando emprego, impostos e fortalecendo a economia.”
Dívida pública – Na sequência, o debate avançou para a questão da dívida pública e da necessidade de maior fiscalização sobre a aplicação dos recursos do país. Luiz Spricigo, da ANFIP-SC, trouxe uma reflexão sobre o peso da dívida no orçamento e a importância da participação social: “A dívida do Brasil, segundo a lei do mercado, influencia sempre os produtos do país. Um terço do orçamento nacional é consumido no pagamento de juros da dívida pública, sobrando dois terços que precisam ser bem aplicados. Mas, na minha visão, não são. Isso acontece porque a população costuma votar e, pouco tempo depois, esquece em quem votou. Falta acompanhamento e cobrança dos representantes eleitos”.
Spricigo ressaltou que falta mobilização social para cuidar do que é coletivo: “Nosso dinheiro precisa ser fiscalizado pela sociedade. Não podemos delegar uma carta em branco aos políticos e esperar apenas dos tribunais de contas ou do Ministério Público a fiscalização, pois não há capacidade suficiente para controlar tudo. É fundamental que a sociedade se envolva.”
Em seguida, ele destacou a relevância da educação e da conscientização cidadã como ferramentas de transformação: “Nossos jovens e adolescentes não são estimulados a se interessar pelo coletivo, apenas pelo individual. Cada cidade deveria criar um observatório social independente dos meios políticos. Eu sou de Lages e ajudei a fundar o observatório social da cidade, que há 12 anos acompanha a aplicação dos recursos municipais. Lá também existe o programa Educação para a Cidadania, iniciado no pré-escolar. Os frutos podem demorar 10, 15 ou 20 anos, mas é um começo de transformação. Porém, não basta apenas Lages; é preciso que todas as cidades tenham esse espírito. E isso só acontecerá com a mobilização da sociedade. É uma mudança cultural, que deve começar desde cedo, mudando o pensamento de crianças, jovens, adolescentes e universitários.”
A entrevista reforça a atuação da ANFIP na promoção do debate público sobre justiça fiscal e na defesa de uma sociedade mais justa, transparente e comprometida com o interesse coletivo.
Confira aqui a entrevista completa, que também contou com outras participações durante a programação.