Vladimir Nepomuceno*
Inicialmente, causa preocupação, porém não surpresa, a edição da Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019. Preocupação por dois motivos básicos, o primeiro pela rapidez com que em 18 dias, sem que a equipe do novo governo federal tivesse sequer tempo de se organizar na nova estrutura, já editasse uma medida provisória com o claro objetivo de dificultar a manutenção e a concessão de benefícios justamente a quem mais necessita da ajuda do sistema de seguridade social. O segundo motivo é que em nenhum momento, nem no corpo da Medida Provisória, nem na extensa Exposição de Motivos foi sequer mencionada a gigantesca dívida, além de fraudes e sonegações de grandes grupos empresariais, que certamente poderiam contribuir, senão sanar o alegado déficit mencionado na Exposição de Motivos da referida MP. Ou seja, rapidez para dificultar os mais necessitados e nem uma palavra em relação aos grandes devedores e sonegadores.
Usando a leitura do governo que se inicia, assim como do que recém terminou, de tentar separar previdência, assistência e saúde, o que na verdade é indissociável, podemos lembrar que no alvo das ações propostas pelo chamado “pente fino” do governo Bolsonaro/Paulo Guedes estão dois segmentos que sequer custam um centavo ao orçamento previdenciário, mas ao orçamento da Assistência Social: os beneficiários do BPC – Benefício de Prestação Continuada, compostos por dois grupos, os idosos a partir dos 65 anos e os deficientes de qualquer idade com comprovada baixa renda. Lembrando que essa comprovação significa que a renda mensal por pessoa da família não pode ultrapassar a um quarto do salário mínimo vigente (R$ 149,50 a partir de 1º de janeiro de 2019) para ter o direito ao benefício. Cabe lembrar ainda que o beneficiário do BPC ao falecer não gera pensão por morte, nem tem direito a décimo terceiro salário (gratificação natalina).
Outro segmento atingido diretamente pela MP é o dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares, que produzem em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada, considerados segurados especiais no Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Aqui repete-se a ideia dos defensores da reforma de que todos são suspeitos de fraudes e de outras irregularidades, e os que conseguirem (se é que se consegue) comprovar que não são é que poderão ter acesso ao benefício da aposentadoria. Tratando possíveis indícios de irregularidade como algo comum, e não a exceção, a MP afasta a participação dos sindicatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, propondo “a extinção da declaração de tempo rural fornecida pelos sindicatos rurais e homologada pelo INSS como meio de prova, substituindo-a pela autodeclaração homologada por entidades públicas credenciadas pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER) e outros órgãos públicos” (EMI nº 00007/2019 ME C. Civil/PR, parágrafo 27). É a declaração aberta de que todos são suspeitos até prova em contrário. O difícil será essa prova, uma vez que os canais estão sendo fechados. Cabe ainda o destaque a um forte golpe na atuação e representação sindical, aqui dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Vale também destacar na MP a criação de “prêmios” em forma de bônus para servidores técnicos do INSS (de nível superior ou intermediário) e peritos médicos previdenciários (agora com o cargo transformados de Perito Médico Previdenciário em Perito Médico Federal), para quem contribuir com a operação caça às bruxas (ou pente fino). Observa-se que o bônus “será recebido sobre o que exceder metas mínimas de performance dos servidores na análise desses processos, conforme critérios definidos em ato do Presidente do INSS” (EMI nº 00007/2019 ME C. Civil/PR, parágrafo 9). Em outras palavras, prêmio para quem trabalhar a mais do que o necessário para atingir as metas da instituição contribuindo para a “caça” aos benefícios com “indícios” de irregularidade. Para os peritos médicos, além do bônus, o atendimento de um sonho antigo de alguns membros da categoria, de extrapolarem o INSS e se transformarem em peritos médicos federais para melhor atenderem os atuais objetivos do governo e em seguida solicitarem o tratamento de “carreira típica de Estado”, o que quer que signifique para esse grupo de peritos médicos. Resta saber se o atual governo atenderá outras reivindicações de cunho trabalhista/sindical, como condições dignas de trabalho, modernização das carreiras e estrutura remuneratória condizente para os servidores da Seguridade Social, entre outros.
Por fim, a não surpresa do inicio deste texto vem da lembrança ainda recente da campanha do agora presidente eleito, onde muito foi dito quanto a retirar direitos de trabalhadores e nada sobre combater os grandes devedores e sonegadores. Lembrando também que o atual ministro da Economia já havia dito que a reforma da Previdência não seria apenas através de emenda à Constituição Federal, ou, como podemos dizer, a reforma da previdência do governo Bolsonaro já começou.
(*)Assessor e consultor sindical