A pressão corporativista

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Entidades e associações ligadas a setores do funcionalismo público têm feito pressão contra a reforma da Previdência

O governo de Jair Bolsonaro ainda não concluiu a sua proposta de reforma da Previdência, mas as pressões corporativistas contrárias à reforma já estão em pleno funcionamento. Enquanto técnicos da equipe econômica trabalham no tema – a promessa é de que, até o dia 15 de fevereiro, o governo apresente a reforma ao Congresso -, entidades e associações ligadas a setores do funcionalismo público têm feito reuniões com o futuro líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Essas associações nem esperaram que o deputado estreante Major Vitor Hugo fosse empossado no cargo, o que ocorrerá no dia 2 de fevereiro, quando se inicia a nova legislatura. Elas já estão fazendo oposição à mudança das regras previdenciárias. Segundo informações do jornal O Globo, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do TCU (Sindilegis) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) já se reuniram com o futuro líder do governo na Câmara para tratar da reforma da Previdência.

Na semana passada, a Anamatra, a Frentas e o Fonacate lançaram uma Nota Pública sobre a Reforma da Previdência, na qual contestam a existência de um real déficit previdenciário. Seria apenas um déficit “nominal”. É a velha insistência em negar a realidade, numa tentativa de manter privilégios que tanto repugnam a população.

Atualmente, o sistema previdenciário gera um déficit superior a R$ 300 bilhões por ano. Mantidas as atuais regras, o déficit só tende a crescer. Trata-se de um rombo estrutural, reflexo de regras inadequadas, agravadas pelas mudanças demográficas, como o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de natalidade. É evidente que o Estado brasileiro não tem condições de arcar com esse déficit previdenciário, o que afeta seriamente o equilíbrio das contas públicas e a capacidade de investimento do poder público, com efeitos diretos sobre toda a economia do País. Além disso, a manutenção das regras atuais coloca em risco a sustentabilidade do próprio sistema previdenciário. As três associações de abonados funcionários, no entanto, preferem rejeitar os dados empíricos. Na nota, fazem a seguinte pergunta: “Como se falar (…) em déficit da Previdência?”

A Anamatra, a Frentas e o Fonacate reagem contra a afirmação de que o regime previdenciário do setor público constituiria um privilégio. Chamam de “falso argumento propalado à exaustão”. Reconhecem, no entanto, que, para os funcionários públicos que têm o direito à aposentadoria integral, o teto da aposentadoria do setor público é de R$ 39.239, enquanto o do setor privado é de R$ 5.839. É uma escandalosa diferença entre os dois regimes.

Ao fim da nota, além de se colocarem à disposição para o “diálogo”, os três clubes dizem que lhes “repugna qualquer reforma previdenciária que busque afrontar à segurança jurídica e não tenha detalhada fundamentação em dados econômicos reais e transparentes”. Fica claro, assim, que não darão trégua. As corporações privilegiadas já estão a postos para, rejeitando os “dados econômicos reais e transparentes”, enfrentar qualquer proposta de mudança das regras de concessão de aposentadorias e pensões. Querem continuar dispondo dessa generosa “segurança jurídica”, acessível apenas a tão poucos brasileiros.

A pressão das corporações do setor público deve servir de alerta para o governo federal. Urge trabalhar com diligência, tanto para apresentar o mais rápido possível uma proposta consistente de reforma da Previdência como para organizar politicamente a aprovação da reforma no Congresso. O outro lado está acostumado a extrair prebendas de quem sustenta o Tesouro e não cederá um só tostão para o ajuste das contas públicas.

Fonte: Opinião Estadão