Um final de fiscalização surpreendente (Alberto Navarro/SP)

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Alberto Navarro – São Paulo – SP

Fiscalizava eu na cidade de Jundiaí, interior do Estado de São Paulo, nos idos de 59 a 60, um pequeno estabelecimento de armarinhos cujo proprietário era um árabe, senhor de certa idade.

Deparei, no local de trabalho, com duas empregadas sem registro e, consequentemente, sem proceder aos devidos recolhimentos à Previdência Social. Naquela época, a Previdência ainda engatinhando, totalmente desacreditada, era determinação da Chefia da Região Fiscal, então Agente do IAPC, que, ao encontrar empregados sem registro, procedesse de imediato à autuação e ao levantamento do débito das contribuições, baseado nas afirmações do próprio empregado.

Ao iniciarmos a coleta dos dados, inquirindo os empregados, volta e meia o proprietário, sr. Salim, com aquele sotaque típico, me indagava: Sr. Fiscal, usa meia? Leva meia pra senior.

– Precisa de camisínia, lenço? Leva, escolha pra senior.

– Laila, traga cafesínio pra Fiscal!

Retrucava eu, educadamente e sem querer melindrá-lo, aliás sempre foi nossa técnica adotada, a fim de se evitar maiores atritos antes de concluirmos nosso trabalho:

– Seu Salim, deixa pra lá. Vamos concluir primeiro nosso trabalho e depois trataremos disso. Evidentemente, com os costumeiros agradecimentos.

No dia seguinte, já com o AI e o levantamento de débito prontos, dirijo-me à empresa e falo com o sr. Salim que já havia preparado o levantamento de débito e logo fui interrompido por ele:

– Débito? pra que débito. Leva camisínia, seu Fiscal, pronto. Laila, traz café pra Fiscal.

Novamente, retrucando, reiniciei as explicações, quando seu Salim, abordou-me:

– Débito? Que débito? Não ter empregado. Tudo primas. Não ter empregados.

Diante de nossa recusa em atendê-lo, imediatamente, já enfurecido: Vai multar? É? Agora vai mandar moças embora. Rua, rua, logo, vai embora.

– Agora, seu Fiscal, senior dá comida pra elas.

– Vai embora, vai embora. Vai comer em casa de Fiscal, vai; dizia para as moças, empurrando-as para a rua. Elas, então, em prantos, saíram para o meio da rua.

– Elas vai morrê de fome. Senior culpado.

Repentinamente e com velocidade surpreendente, seu Salim apanhou o ferro de movimentar a porta de aço e lançou violento golpe contra mim que, Graças a Deus, por sorte, consegui me desviar.

Com o tremendo barulho, choradeira das moças, lá na rua, claro que se formou pequena multidão.

Naquele momento passava pelo local um policial da PM, que de pronto nos separou nos perguntando o que se passava. Foi quando presenciei uma das reações mais fantásticas de minha vida.

Assim que seu Salim viu o PM se aproximar, começou a bradar, aos berros e com o dedo em riste:

– Fiscal sem bergonha, Não dar dinero pra fiscal.

– Não dá dinero. Vai trabalhar, sem bregonia.

– Seu guarda, eu não dá dinero pra fiscal. Não dá dinero.

Todos que já sabiam da história, ficaram pasmados e eu, então, nem se fala. Me subiu o sangue à cabeça. A meu pedido, o PM estava nos levando para a Delegacia de Polícia. Foi quando, correndo, adentrou o local, um advogado conhecido, indagando do que se passara, e disse-me, pedindo:

– Deixa pra lá Navarro, o Seu Salim é meu sogro, está muito doente, com a mulher dele recém-operada. Deixa disso. Ele vai recolher tudo, não se preocupe.

Assim, ali terminou a bagunça.

Dirigi-me à Região Fiscal, lavrei mais alguns autos de infração e remeti tudo pelo correio.

Tempos passados, fui arrolado como testemunha na reclamação trabalhista promovida pelas duas moças e, após meu depoimento, com imitação e tudo do diálogo, o MM Juiz deu por ganha e encerrada a demanda.