A Previdência, a desoneração e o “jabuti” (Vilson Antonio Romero*)

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Entre 2013 e 2022, a receita de contribuições destinadas ao pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS se reduziu em cerca de R$ 133 bilhões, com a desoneração da folha de salários.

A iniciativa começou no 1º mandato de Dilma Rousseff (PT), pela Lei 12.546/11, e beneficiava 4 setores: call center, tecnologia da informação, confecções e calçados.

Para baratear o custo das empresas, o governo tirou a obrigatoriedade de o patrão pagar a quota patronal ao INSS, de 20% dos salários, passando a contribuir com percentuais reduzidos sobre a receita bruta.

Se a intenção era manter ou aumentar os empregos formais, há estudos, inclusive de órgãos oficiais, que o aumento foi na lucratividade dos setores desonerados e não na quantidade de trabalhadores registrados.

Em 2012, a política foi anunciada para 12 setores; em 2014, teve o seu auge e alcançou 53 áreas. O ralo da renúncia previdenciária já sugava, então, cerca de R$ 25 bilhões/ano.

Atualmente, são desonerados 17 setores: couro e calçados, call center, comunicação, têxtil, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, fabricação de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, tecnologia da informação e de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, rodoviário coletivo e de cargas.

Apesar de haver compensação para parte dos recursos, há inequívoco sangradouro das verbas do maior programa de redistribuição de renda, contribuindo para o alardeado “rombo na Previdência”.

A aprovação em 30 de agosto, na Câmara dos Deputados, do PL (Projeto de Lei) 334/23, relatado pela deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), além de prorrogar a desoneração até 2027 para os atuais segmentos, trouxe consigo 1 “jabuti”.

Mas, no nascedouro, o “jabuti” era menor, pois o Senado havia aprovado a redução da contribuição de 20% para 8%, sobre a folha de pagamento dos 5.375 municípios com até 142,6 mil habitantes.

A relatora na Câmara acolheu no texto dela emenda do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), que estende a redução da contribuição previdenciária para todas as 5.570 cidades brasileiras, com alíquotas de 8% a 18% — quanto menor o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, menor será a taxa.

As lideranças municipais revelam a gravidade da situação de seus orçamentos, mais da metade “no vermelho”, com dívidas superiores a R$ 200 bilhões com a Previdência, represamento das ações em saúde e educação, impacto do salário mínimo com reajuste real na folha de salários e dos terceirizados, entre outras queixas.

Mas, ao invés de buscarem alternativas mais consequentes, como elevação do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), parece que a estratégia foi, como o dito castelhano: “desnudar um santo para vestir otro”.

Se a renúncia fiscal dos setores privados é estimada em R$ 9,2 bilhões por ano, a estimativa de gasto tributário com a benesse aos municípios joga o total da redução da arrecadação para algo superior a R$ 19 bilhões anuais.

Como houve mudanças no projeto que saiu do Senado, o texto dos deputados retorna à CAE (Comissão de Assunto Econômicos) da Câmara Alta.

Num momento em que o governo se empenha para obter “déficit zero”, no próximo ano, buscando novas tributações para elevar a receita federal em quase R$ 170 bilhões, autoridades classificaram a aprovação como “atabalhoada” e “pauta-bomba”.

O Ministério da Fazenda desejava incluir o debate sobre a redução de encargos trabalhistas e previdenciários na Reforma Tributária da renda, que deve ter início após a reforma sobre o consumo.

Depois da tramitação e aprovação do PL, ainda haverá a possibilidade do veto presidencial, mas daí já será outra história. O “jabuti” corre mais do que lebre! Aguardemos.

(*) Auditor fiscal e jornalista, presidente da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) e diretor da ARI (Associação Riograndense de Imprensa).

Fonte: Agência DIAP.