Autonomia de órgãos com atividade típica de Estado está em risco (Crésio Pereira de Freitas)

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Sobejam, ao longo dos anos, exemplos de intromissão indevida de autoridades em órgãos públicos que desempenham atividades típicas de Estado. Não é um fato afeto à ideologia ou ao governo de plantão. É, sim, uma característica da autoridade que detém o poder e que, via de regra, almeja o poder absoluto. Esquecem-se de que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente. Por isso é preocupante a notícia de que o presidente Jair Messias Bolsonaro tentou interferir em investigações levadas a cabo pela Polícia Federal. A Polícia Federal, como sabemos, é um órgão de Estado. Não deve se curvar e/ou amoldar suas investigações ao gosto de autoridades, sejam elas de que poderes forem.

Além da Polícia Federal, temos outras instituições que, devido à importância das competências que lhes são atribuídas, desempenham atividades inerentes ao Estado como poder público, atividades estas sem correspondência ou similaridade no setor privado. Como exemplo dessas instituições, podemos citar a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Banco Central do Brasil (Bacen). Estes órgãos, entre outros, também não devem estar subjugados ao governante de plantão. Devem ter autonomia. No que se concerne ao Bacen, há o PLP 112/2019, de autoria do Poder Executivo, que prevê a autonomia do órgão. O governo é temporário, o Estado é perene. Faz-se necessário que avancemos. A autonomia precisa ser um dos atributos dos órgãos que desempenham atividades típicas de Estado.

Não pode o país ser sacudido de tempos em tempos com a notícia de que um ou outro governante e/ou autoridade usou de interferência política para macular o adequado desenvolvimento das atividades afetas aos órgãos de Estado.  Tais órgãos não são susceptíveis aos critérios de conveniência e oportunidade de governantes e/ou autoridades. Governantes ou autoridades que assim procedem batem de frente com o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. O presidente da República, como autoridade máxima da Administração Pública, também deve observar os comandos do aludido artigo. Não é uma exceção.  A notícia de que o presidente da República tentou interferir em investigações da Polícia Federal, sabe-se lá com quais intenções, deve ser rigorosamente investigada.

Mas o que fazer para que o país não seja abalado, de tempos em tempos, como já apregoado, por condutas inadequadas de autoridades públicas junto a órgãos que desempenham atividades típicas de Estado? A resposta está acima. É conceder a esses órgãos autonomia. É inconcebível que órgãos imprescindíveis ao funcionamento regular do Estado estejam submetidos à ingerência política partidária.  A autonomia é a vacina contra o vírus da interferência político-partidária. Temos de construir o arcabouço jurídico que permita o desenvolvimento dessa vacina.

*Crésio Pereira de Freitas é auditor fiscal e vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da ANFIP.
– Artigo publicado pelo Conjur.