Autonomia de órgãos com atividade típica de Estado está em risco (Crésio Pereira de Freitas)

584

Sobejam, ao longo dos anos, exemplos de intromissão indevida de autoridades em órgãos públicos que desempenham atividades típicas de Estado. Não é um fato afeto à ideologia ou ao governo de plantão. É, sim, uma característica da autoridade que detém o poder e que, via de regra, almeja o poder absoluto. Esquecem-se de que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente. Por isso é preocupante a notícia de que o presidente Jair Messias Bolsonaro tentou interferir em investigações levadas a cabo pela Polícia Federal. A Polícia Federal, como sabemos, é um órgão de Estado. Não deve se curvar e/ou amoldar suas investigações ao gosto de autoridades, sejam elas de que poderes forem.

Além da Polícia Federal, temos outras instituições que, devido à importância das competências que lhes são atribuídas, desempenham atividades inerentes ao Estado como poder público, atividades estas sem correspondência ou similaridade no setor privado. Como exemplo dessas instituições, podemos citar a Receita Federal do Brasil (RFB) e o Banco Central do Brasil (Bacen). Estes órgãos, entre outros, também não devem estar subjugados ao governante de plantão. Devem ter autonomia. No que se concerne ao Bacen, há o PLP 112/2019, de autoria do Poder Executivo, que prevê a autonomia do órgão. O governo é temporário, o Estado é perene. Faz-se necessário que avancemos. A autonomia precisa ser um dos atributos dos órgãos que desempenham atividades típicas de Estado.

Não pode o país ser sacudido de tempos em tempos com a notícia de que um ou outro governante e/ou autoridade usou de interferência política para macular o adequado desenvolvimento das atividades afetas aos órgãos de Estado.  Tais órgãos não são susceptíveis aos critérios de conveniência e oportunidade de governantes e/ou autoridades. Governantes ou autoridades que assim procedem batem de frente com o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal. O presidente da República, como autoridade máxima da Administração Pública, também deve observar os comandos do aludido artigo. Não é uma exceção.  A notícia de que o presidente da República tentou interferir em investigações da Polícia Federal, sabe-se lá com quais intenções, deve ser rigorosamente investigada.

Mas o que fazer para que o país não seja abalado, de tempos em tempos, como já apregoado, por condutas inadequadas de autoridades públicas junto a órgãos que desempenham atividades típicas de Estado? A resposta está acima. É conceder a esses órgãos autonomia. É inconcebível que órgãos imprescindíveis ao funcionamento regular do Estado estejam submetidos à ingerência política partidária.  A autonomia é a vacina contra o vírus da interferência político-partidária. Temos de construir o arcabouço jurídico que permita o desenvolvimento dessa vacina.

*Crésio Pereira de Freitas é auditor fiscal e vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da ANFIP.
– Artigo publicado pelo Conjur.