O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou no último dia 12 de janeiro um conjunto de medidas econômicas destinadas a diminuir o rombo das contas públicas, previsto em R$ 231 bilhões, conforme orçamento aprovado pelo Congresso. Dentre essas medidas, sobressai-se o restabelecimento do cognominado “Voto de Qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. O voto de qualidade tinha sido extinto pelo art. 28 da Lei nº 13.988/2020, o qual acrescentou na Lei nº 10.522 o art. 19-E que informa a não aplicação da legislação então vigente (§ 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972) e definindo que, no caso de empate, o litígio é resolvido favoravelmente ao contribuinte.
Desde a extinção do “Voto de Qualidade”, em abril de 2020, muitas matérias tributárias relevantes com jurisprudência favorável à União assentada, amplamente discutidas no âmbito do CARF, sofreram uma reviravolta e passaram a ter um desfecho favorável aos grandes contribuintes. Discussões acerca de PLR, Stock Options, ágio e tributação de lucros no exterior, Hiring bônus, dentre outros, relacionadas a grandes conglomerados industriais ou comerciais, foram beneficiados pelo entendimento de que quando houver empate, resolve-se favoravelmente ao contribuinte. Desafortunadamente, a extinção do “Voto de Qualidade” beneficiou grandes contribuintes em detrimento do interesse público, possibilitando que bilhões de reais deixassem de ingressar nos cofres públicos.
O “Voto de Qualidade” é um instituto presente há décadas na legislação pátria e a sua aplicabilidade não é recorrente. Dados disponibilizados pelo CARF, relativos ao ano passado, demonstram que, até outubro de 2022, a grande maioria dos julgamentos resolvem-se por unanimidade, 76%; por maioria, 18,7%; por qualidade, 3,4%; e pelo mecanismo de empate – Lei 13.988/20, 1,9%. O mecanismo de desempate foi aplicado a 1,9% dos julgamentos até outubro de 2022. O mecanismo do empate, como visto, é aplicável a poucos processos em termos de quantidade, mas são processos de valores expressivos, muitos na casa dos bilhões. Beneficia, como já mencionado, os grandes contribuintes. O mecanismo do empate precisava ser revisto. Foi.
É em benefício de grandes empresários que houve um foco de pressão. Segundo o jornal Folha de São Paulo, o grupo de empresários Esfera Brasil, liderados por João Camargo, fez um apelo aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que o Congresso barre o retorno do chamado “Voto de Qualidade” no CARF. Para os empresários, o retorno do “Voto de Qualidade” é umas das medidas “mais desastrosas a atravessar o caminho de uma economia que se busca recuperar”. Alegam, também, que “o fim deste instituto injusto e oneroso foi um benefício inestimável para quem produz. Sua volta trará insegurança jurídica, incertezas na economia e fortes prejuízos às empresas”. Nada disso. O Brasil já existia antes de abril de 2020 com esse instituto e o retorno do “Voto de Qualidade” é medida acertada. Trata-se, sim, de um benefício inestimável a favorecer a alguns poucos, como demonstrado.
Além disso, o Esfera Brasil diz que a proposta do ministro da Fazenda de que a União possa recorrer ao Judiciário quando for derrotada no CARF vai judicializar cobranças de modo a levar a economia à beira da impotência”. Sobre a possibilidade de o contribuinte recorrer ao Judiciário caso perca no CARF, o Esfera Brasil, nada disse. Não convém. O julgamento é paritário no CARF, caso o contribuinte tenha uma decisão favorável ou dê empate, a União não pode recorrer. A decisão administrativa é definitiva. Se o contribuinte perder, ele pode recorrer ao Judiciário. A decisão administrativa não é definitiva. Sobre isso, nada disse o Esfera Brasil. Não convém.
A MP n° 1160, de 12 de janeiro de 2023, que restabelece o “voto de qualidade” no âmbito do CARF, possibilitando que os conselheiros representantes da Fazenda Nacional, presidentes de Turmas e Câmaras, possam desempatar os julgamentos a favor da União é medida que se impõe, sendo que os votos dados pelos conselheiros fundamentados em lei e de acordo com suas convicções. Dizer que um Auditor, dificilmente, vota contra a Receita é uma ilação escabrosa.
* Crésio Pereira de Freitas é Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e vice-presidente de Assuntos Fiscais da ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. cresio@anfip.org.br.