Não basta simplificar, é preciso redistribuir a carga tributária brasileira

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A proposta de Reforma Tributária foi tema de audiência pública nesta terça-feira (20/8), na Subcomissão Especial da Reforma Tributária da Comissão de Finanças e Tributação, que é presidida pelo deputado Luis Miranda (DEM/DF). O posicionamento da ANFIP em relação à matéria foi apresentado pelo vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários, Cesar Roxo Machado. Também esteve presente o vice-presidente Executivo, Márcio Humberto Gheller.

Durante exposição, Cesar Roxo apresentou a proposta da ANFIP construída em parceria com a Fenafisco, batizada de Reforma Tributária Solidária, que propõe um sistema tributário progressivo, com justiça fiscal e que respeite a capacidade contributiva do cidadão. O vice-presidente disse que várias são as razões sempre apontadas para justificar uma reforma tributária (paga-se muitos tributos no país, a carga tributária é uma das maiores do mundo, o sistema tributário é extremamente complexo). Todavia, dificilmente ouve-se dizer que deve ser feita uma reforma porque nosso sistema tributário é regressivo e concentrador de renda. “O sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo e, por essa razão, aprofunda a concentração de renda existente no país e, ao aprofundar essa concentração, aprofunda as desigualdades de renda e sociais. O sistema tributário é um excelente instrumento para aprofundar ou atenuar essas desigualdades”, afirmou o Auditor Fiscal.

“Se olharmos a história vamos verificar que EUA e Europa, a partir da Segunda Guerra, reduziram a desigualdade adotando sistemas progressivos e dedicando-se ao bem estar social como política de Estado. Isso ajudou a reduzir as desigualdades e alavancou o desenvolvimento nesses países. Porém, nas últimas décadas, tem se observado um retrocesso nessa questão. Tem havido combate à progressividade e à redução das desigualdades”, acrescentou Cesar Roxo.

Conforme Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2018, o Brasil é o nono país mais desigual do mundo. “Apenas oito países da África estão na nossa frente. Na semana passada, foi divulgado que o Brasil vive o ciclo mais longo de aumento da desigualdade, que é medida pelo Índice de Gini. É o 79º no ranking do IDH [índice de Desenvolvimento Humano] entre 189 países. A desigualdade extrema prejudica o crescimento econômico e o desenvolvimento”, alertou.

Segundo o vice-presidente da ANFIP, um sistema tributário justo é aquele em que as pessoas contribuem de acordo com a sua capacidade contributiva. Como nem todas as pessoas têm a mesma capacidade contributiva, é injusto aplicar a mesma carga tributária a todos da mesma forma. “É preciso progressividade para corrigir isso. Quanto mais progressivos forem os tributos, mais progressivo será o sistema tributário, a sociedade passa a ter maior poder de consumo, o que acelera a economia, o crescimento econômico e o desenvolvimento do país”, acrescentou Cesar Roxo

Quais as dificuldades para aplicar a progressividade no sistema tributário?

“Existem diversos tipos de tributos. Quando vou aplicar a progressividade na pessoa, no caso do Imposto de Renda, é possível. À medida que vai aumentando a renda, aumenta-se as alíquotas. Consigo colocar progressividade na tributação das coisas, dos bens móveis, imóveis e na transferência desses bens,” afirmou Cesar Roxo, referindo-se ao IPTU, ITR, IPVA, ITCMD e ITBI.

O grande problema, segundo ele, é que não se consegue aplicar a progressividade na tributação sobre o consumo de bens e serviços, como ICMS, PIS/Pasep, Cofins, IPI e ISS. “A tributação sobre o consumo é ruim para uma sociedade desigual como a nossa. Por essa razão, visto que é impossível aplicar a progressividade na tributação sobre o consumo, ela deve ser reduzida”, disse.

Outro ponto que Cesar Roxo destacou foi o tamanho da carga tributária brasileira: “será que a carga tributária como um todo, que gira em torno de 32% do PIB, deve ser reduzida? Para responder a essa pergunta temos que saber que tipo de sociedade queremos. Afinal, tributo é o preço que se paga por uma sociedade civilizada. No momento que defino que tipo de sociedade eu quero, é possível definir a carga tributária para essa sociedade”.

O vice-presidente disse, ainda, que é comum ouvir que a carga no Brasil é alta. “É dito que deve-se reduzir a carga tributária porque isso vai impulsionar o desenvolvimento. Ocorre que, se compararmos a carga tributária do Brasil com a carga tributária de países da OCDE, verificamos que ela está abaixo da média daqueles países (que é cerca de 34% do PIB). A carga tributária brasileira não é baixa, mas também não é uma das mais altas do mundo. O problema é que ela é mal distribuída, grande parte dela é sobre o consumo e isso temos que inverter”, explicou o dirigente.

A baixa carga tributária per capita do Brasil é também outro problema. Para demonstrar isso, Cesar Roxo fez uma comparação do Brasil com o Canadá. “Em 2017, o PIB do Brasil foi cerca de 1,93 trilhões de dólares. Se eu dividir pelo número de habitantes, cada um de nós produziu 9 mil dólares. Com carga de 32% do PIB, o Estado brasileiro arrecadou cerca de 600 bilhões de dólares. Se eu pegar tudo que foi pago de tributos e dividir pelo número de habitantes, verifico que cada um de nós pagou cerca de 3 mil dólares em tributos no ano. Agora, vamos comparar com Canadá. No mesmo ano o Canadá teve um PIB parecido com o do Brasil, mas a população é bem menor. Se pegar aquele PIB e dividir pelo número de habitantes daquele país, vamos ver que cada canadense produziu cerca de 49 mil dólares por ano. A carga tributária do Canadá é semelhante à do Brasil e o Canadá também arrecadou quase 600 bilhões de dólares. Agora, analisando a carga tributária per capita do Canadá, percebemos que cada canadense pagou cerca de 15.400 dólares em tributos no ano para ter o Estado as políticas públicas do Canadá. Isto é 5,2 vezes mais que cada brasileiro pagou no mesmo ano. Esse é o grande problema. Nós não estamos nem próximos do Canadá, porque a nossa economia é ineficiente, o nosso PIB, fazendo-se uma proporção com o número de habitantes, teria que estar em torno de 10 trilhões de dólares”, ressaltou o vice-presidente.

Para aumentar a renda per capita do Brasil, o especialista em Assuntos Tributário demonstrou que a única alternativa é o crescimento econômico (aumento do PIB). Para que isso ocorra, é necessário alterar um dos principais entraves: o sistema tributário. “Temos que aumentar o PIB, senão acabamos com o Estado”, alertou.

Ele finalizou dizendo que a ANFIP defende uma reforma tributária que não vise apenas a simplificação, mas que busque uma redistribuição da carga tributária para aproximá-la da configuração média da carga tributária dos países da OCDE. “A simplificação é fundamental, é importante, todos nós queremos. Só que nós queremos uma redistribuição da carga tributária brasileira”.

Também foram ouvidos na audiência pública: Francelino Valente (Fenafisco), George de Souza (Sindifisco), Renato Conchon (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA), Mario Sergio Carraro Telles (Confederação Nacional da Indústria – CNI), Fábio Gomes Bentes (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC), e Vitor Puppi (Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais – Abrasf).