ANFIP palestra para Frente Parlamentar de Caxias do Sul

377

O vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da ANFIP, Cesar Roxo Machado, proferiu palestra sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 6/2019 em audiência pública, realizada nesta segunda-feira (15/4), na Câmara Municipal de Caxias do Sul (RS). O evento foi convocado pela Frente Parlamentar para o Debate Amplo Sobre a PEC da Reforma da Previdência.
Em sua exposição, Cesar Roxo afirmou que a Previdência Social brasileira, principalmente o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), está longe de ser o vilão da crise fiscal que o país enfrenta, como alega o governo. “Sem isentar as administrações estaduais e municipais, o principal culpado é o próprio governo federal, com suas desastrosas políticas fiscal e econômica, em que abre mão de bilhões de reais de receitas concedendo isenções e renúncias fiscais para grandes e poderosos segmentos econômicos, ao mesmo tempo em que estimula a especulação financeira em detrimento do investimento na produção, na medida em que pratica juros altos e mantém um sistema tributário caótico e atrasado”, explicou o especialista.

Outra questão é o falacioso déficit do sistema para tentar justificar a reforma do RGPS. “Como se houvesse uma só previdência, com regras distintas, gerando privilégios e valores enormes de despesas que beiram a má-fé. A Previdência Social, no Brasil, é formada por diversos regimes: pelo RGPS – setor privado; pelos diversos regimes próprios dos servidores (da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios); pelos os diversos regimes de previdência dos militares e bombeiros estaduais; e pelo regime de previdência das Forças Armadas”, pontua Roxo. No entanto, esclareceu o vice-presidente da ANFIP, “todos esses regimes, que têm suas próprias despesas, são independentes uns dos outros. Quando o governo diz que a previdência é deficitária, ele o faz dando a entender que tudo é uma coisa só; e não é assim”.

Cesar Roxo também apresentou o histórico do sistema de proteção social do Brasil, antes do advento da Seguridade Social, ou seja, antes da Constituição Federal de 1988.

Leia a seguir a explanação do palestrante:

“I – no que diz respeito à previdência havia:
a) a Previdência Social Urbana, de caráter contributivo, cujos benefícios e serviços eram concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INPS; e
b) a Previdência Social Rural, cujos benefícios e serviços eram concedidos pelo FUNRURAL. Os benefícios desse regime eram inferiores a um salário mínimo (50%, 30%).
II – no que diz respeito à Saúde, ela não era universal como é atualmente. Só tinham direito à atendimento médico e hospitalar os segurados da Previdência e seus dependentes;
III – no que diz respeito à Assistência Social, havia apenas ações fragmentadas prestadas pela Legião Brasileira de Assistência – LBA e pela Fundação do Bem Estar do menor – FUNABEM.

Essa proteção social era financiada com contribuições dos trabalhadores urbanos, contribuições das empresas e com parte dos impostos. Não estavam contemplados nessa proteção os servidores públicos e militares que, naquela época não contribuíam e suas aposentadorias e pensões eram custeadas somente por impostos. Atualmente as aposentadorias e pensões dos servidores públicos e militares são financiados por contribuições de servidores ativos, aposentados, pensionistas e por impostos.

O legislador constituinte, inspirado no Welfare State (Estado de Bem-Estar Social) implantado nos países europeus após a II Guerra Mundial, inseriu na Constituição a previsão de uma cobertura social muito mais ampla do que aquela existente até então: a Seguridade Social, que foi definida como sendo um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade que visa assegurar à sociedade: Saúde, Previdência Social e Assistência Social. A Saúde passou a ser universal; todos passaram a ter direito a atendimento médico e hospitalar sem a necessidade de contribuição. A Assistência Social passou a assegurar uma série de serviços e um benefício de prestação continuada (BPC) no valor de um salário mínimo ao idoso ou ao portador de deficiência carentes. A Previdência Social passou a ser organizada sob a forma de regime geral (RGPS), de caráter contributivo, compreendendo trabalhadores urbanos e rurais (esse, agora, com direito aos mesmos benefícios dos trabalhadores urbanos); a pensão foi estendida ao esposo (até então era somente para a esposa) e passou a ser de 100% (cem por cento) do salário de benefício (até então era de 50% (cinquenta por cento) mais 10% (dez por cento) por dependente).

Como a ampliação da cobertura social implicaria aumento de despesas, o legislador constituinte estabeleceu um financiamento próprio para a Seguridade Social. No art. 195 ficou estabelecido que a Seguridade Social seria financiada por toda a sociedade, de forma direta (através de contribuições sociais) e de forma direta (através de impostos). Algumas dessas contribuições sociais já existiam (é o caso da contribuição das empresas sobre a folha de pagamento e a contribuição dos trabalhadores), outras foram criadas (contribuição das empresas sobre a receita ou o faturamento – COFINS; sobre o lucro líquido – CSLL; contribuição sobre o concurso de prognósticos; e a contribuição do importador de bens ou serviços do exterior. É omitido da sociedade que parte dos impostos devem financiar a seguridade social (é a forma indireta como a sociedade financia essa proteção). Por essa razão, o governo alega que está cobrindo déficit da seguridade social quando aloca receita de impostos para essa área.

Apesar da diversidade da base de financiamento da Seguridade Social, muitos são os problemas que afetam seu orçamento. Ao longo dos anos, várias desonerações, isenções e imunidades tributárias (as chamadas renúncias fiscais) reduziram consideravelmente o potencial de arrecadação das contribuições previdenciárias. As renúncias fiscais envolvendo outras contribuições também são um grande problema. A renúncia fiscal estimada pela Receita Federal para 2019 chega a casa dos R$ 306 bilhões.

Aliado a essa realidade, o governo federal, amparado por uma alteração constitucional, desvincula da Seguridade Social 30% (trinta por cento) dos seus recursos para aplicar em outras áreas. É a chamada DRU – Desvinculação das Receitas da União. Em média, nos últimos 10 (dez) anos foram desvinculados cerca de R$ 72 bilhões/ano. Em 2018 foram desvinculados cerca de R$ 120 bilhões.

Apesar de todas essas investidas contra o financiamento da Seguridade Social, em média, ela manteve-se superavitária em R$ 61 bilhões até 2015. Somente a partir de 2016, por razões conjunturais da economia, é que o sistema começou a apresentar déficit. Afinal, em meados de 2014 o Brasil passou a enfrentar uma das maiores crises econômicas de sua história, que se agravou em 2015 e 2016, fazendo com que o PIB retraísse 7,4% e, por conseguinte, afetasse consideravelmente as receitas tributárias.

Embora a economia tenha reagido a partir de 2017, o crescimento econômico ainda está longe de assegurar o financiamento necessário do Estado. O fato é que não há como resolver o problema das contas públicas sem antes resolver os problemas econômicos do país; o Brasil tem que crescer. Resumindo: o problema com as contas da seguridade social não são suas despesas, são suas receitas.

Para complicar, o governo alega que o déficit da Seguridade Social e o déficit da Previdência já existem há mais tempo e por meio de uma contabilidade criativa lhes atribui valores muito superiores aos reais.

Basicamente, em seus cálculos, o governo subestima as receitas da Seguridade Social, excluindo os valore desvinculados via DRU, e superestima suas despesas, incluindo gastos previdenciários com os servidores públicos e militares da união. E ele faz isso justificando que as despesas, em última análise, são pagas pelo governo, independentemente de sua origem. Todavia, isso é de uma criatividade tão espantosa que sugerem um completo desconhecimento das disposições constitucionais ou até mesmo a má-fé.

Deveras, conforme estabelece o § 5º do art. 165 da Constituição Federal, a Lei Orçamentária Anual do Poder Executivo da União compreenderá: o orçamento fiscal; o orçamento das estatais; e o orçamento da Seguridade Social. É de uma clareza tão grande que no orçamento da Seguridade Social não devem constar despesas de regimes de previdência diversas das do RGPS, que os cálculos do governo, realmente, beiram a má-fé ao incluírem tais despesas como sendo despesas da Seguridade Social. E a razão é bem simples: a Constituição, ao dispor sobre Seguridade Social no Capítulo II do Título VIII (Da Ordem Social) estabelece que fazem parte da seguridade social a Saúde, a Previdência Social (art. 201 – RGPS) e a Assistência Social. As receitas e despesas envolvendo a Previdência dos servidores públicos (art. 40) e militares (art. 142) devem constar do orçamento fiscal, não do orçamento da Seguridade Social.

Mais estranho ainda é o governo tentar justificar a reforma do RGPS alegando que os estados estão quebrados por causa da previdência ou por que é preciso acabar com os privilégios. Tudo isso é uma forma de confundir a sociedade para justificar uma reforma que visa, na realidade, privatizar a previdência social em benefício do sistema financeiro e acabar com a proteção social criada em 1988.”