PEC da Reforma Administrativa ameaça continuidade do serviço público brasileiro

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O que é mito e o que é verdade na proposta de Reforma Administrativa? Este foi o tema da série Live ANFIP, realizada nesta quarta-feira (14/4), para abordar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/20), que pretende fazer profundas mudanças na estrutura da administração pública do país.

O debate foi iniciado pelo presidente da ANFIP, Décio Bruno Lopes, e pelo vice-presidente de Política de Classe e Política Salarial, José Arinaldo Gonçalves Ferreira; e também contou com participação dos deputados Alessandro Molon (PSB/RJ) e Érika Kokay (PT/DF), do analista e consultor político Antônio Augusto de Queiroz e do presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis), Alison Souza.

Décio Lopes destacou que o assunto impacta toda a sociedade, que precisa de serviços públicos de qualidade, e que é preciso questionar os argumentos usados para justificar a Reforma Administrativa. “Será que vai economizar mesmo? Será que a estabilidade do servidor é um problema para o serviço público ou é a própria garantia de serviço público?”, disse, lembrando outros pontos da proposta, como a avaliação de desempenho, que já existe atualmente, na forma de demissão por insuficiência de desempenho.

Para o presidente da ANFIP, o momento exige, na verdade, meios eficazes para a solução da economia no pós-pandemia e da otimização de recursos para o combate à própria pandemia. “Será que não precisamos mesmo é de encontrar meios para que a pesquisa científica prolifere no Brasil, para que a gente não fique tão dependente de mercado internacional? Temos quadros muito competentes no serviço público brasileiro, que podem fazer um excelente trabalho, desde que exista o interesse em melhorar as condições de trabalho no serviço público e melhorar a prestação de serviço à população”, opinou.

Já na avaliação de José Arinaldo, a reforma deteriora a Constituição Federal. “A maneira como a Constituição nos foi enviada, em 1988, eu entendo que, neste momento, o Estado e o governo brasileiro têm que ter um cuidado muito grande, porque [com a reforma] estamos deteriorando essa Constituição, estamos reduzindo e acabando com tudo isso que nos foi entregue. Eu não vejo como falar em Reforma Administrativa para tirar direitos dos trabalhadores”, declarou o vice-presidente.

PEC deve ser rejeitada

Segundo o deputado Alessandro Molon, o serviço público brasileiro pode ser melhor, mas, para isso, é preciso aperfeiçoá-lo, e não reduzi-lo. Por considerar a eficiência do serviço público o objetivo central de uma reforma administrativa, frisou a importância da rejeição da proposta apresentada pelo governo, que reduz a transparência do Orçamento; prevê o fechamento de órgãos por decreto; mantém privilégios; e permite a perseguição de servidores. “Ninguém preocupado de verdade com a qualidade do serviço público pode estar satisfeito com essa PEC, como ela se encontra”, disse.

De acordo com o parlamentar, a PEC 32/20 deixa de lado quase todos os temas relevantes que uma boa reforma administrativa deveria endereçar, e trata quase que exclusivamente de generalidades ou de temas problemáticos, deixando o regime jurídico dos servidores públicos aberto a uma total flexibilização, para ser tratado em projetos de lei posteriores.  “Não se fala de quais carreiras terão estabilidade; quais patamares salariais serão propostos; como se darão as avaliações de desempenho; que hipóteses, além das já existentes, podem gerar demissão; que critérios serão utilizados para permitir progressão na carreira; quais serão os cargos e as carreiras transversais; ou sequer como se evitará, na prática, o conflito de interesses em casos de acúmulo de cargos. Isso não só adia a solução, como agrava todos os problemas já enfrentados”, explicou.

Sobre a gravidade da proposta da Reforma, concluiu reforçando que “o Poder Público é valioso demais para que nós abramos mão da contribuição que ele pode dar para a mudança do nosso país, que se faz tão necessária diante de tanta desigualdade”. O parlamentar comentou ainda sobre a importância dos serviços públicos durante a situação de crise sanitária no país, destacando o papel dos servidores da Saúde e da Segurança Pública. Por fim, ressaltou que qualquer reforma deve ser “baseada em dados reais e não em mitos e mentiras, como pode se observar”.

Também na opinião de Alison Souza, presidente do Sindilegis, diante da pandemia, o momento não é ideal para fazer qualquer reforma da Constituição do Brasil, uma vez que a população está lutando para sobreviver em meio a tanta desigualdade. Segundo ele, se a PEC 32/20 for aprovada, em sua forma original, o serviço público estará aberto para o apadrinhamento, distanciando-o ainda mais do futuro que se quer. “O Brasil, talvez, seja o único país do mundo em que o ministro da Economia está preocupado em fazer ajuste fiscal em plena pandemia. Essa PEC é destrutiva e desorientará o funcionamento do serviço público de tal forma que nós não sabemos o que vai acontecer no Brasil. É muito grave o que está acontecendo”, declarou.

Maldades da PEC e privatização dos serviços

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, em sua exposição, contextualizou o ambiente em que se dá a Reforma Administrativa e explicou que a proposta em tramitação não pretende aperfeiçoar a gestão pública. “Essa reforma não tem o objetivo de melhorar a qualidade do serviço público nem melhorar a meritocracia no serviço público. Ela tem o objetivo de transferir para o setor privado a ocupação de cargos técnicos, gerenciais e estratégicos, que hoje são ocupados por servidores de carreira, e entregar a gestão da administração pública a instituições privadas, de modo que não é meritória essa proposta”, alertou.

Além disso, segundo Queiroz, a PEC 32/20 parte de três suposições nada republicanas: “A primeira é a suposição de superioridade do setor privado em relação ao Estado na prestação dos serviços; a segunda é a suposição de que o serviço público é ineficiente e corrupto por natureza; e a terceira é a de que o servidor público ganha muito, trabalha pouco, é preguiçoso e, em alguns casos, até desonesto. Então, as motivações são de natureza ideológica, de um lado, e de interesses fisiológicos patrimonialistas, de outro. Portanto, essa reforma não serve aos interesses do país, pelo menos no formato apresentado”, avaliou. Ele também acrescenta que os presidentes da Câmara e do Senado, deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco, respectivamente, não vão desistir dessa matéria, visando atender aos interesses do empresariado e do setor financeiro.

Serviço público é fundamental

Para a deputada Érika Kokay, que também participou do debate, no atual momento do Brasil, marcado pelo negacionismo, o governo constrói uma narrativa que não corresponde à realidade, “tecida com os fios da mentira, que desrespeitam todos os fatos”. Segundo ela, apesar da ação “fiscalista” do governo, não é alcançado resultado positivo algum para a sociedade, nem qualquer equilíbrio fiscal para o país, principalmente por não ter nenhuma proposta de arrecadação. “Nós estamos vivenciando não apenas uma lógica austericida, penalizando os servidores e servidoras, mas uma nova concepção de Estado que está rompendo o Estado de Proteção Social, que está na nossa Constituição. A função do Estado não é dar lucro, é assegurar políticas públicas. O governo quer se apropriar do Estado, para que o Estado lhe sirva em vez de servir o próprio povo”, expôs.

E concluiu a parlamentar: “Os grandes avanços deste país vêm através do serviço público. Os servidores são fundamentais para o desenvolvimento nacional, e não os inimigos, como é falsamente pregado. Nós vamos estar em todos os espaços para dizer que não é essa reforma que o Brasil precisa. O Brasil precisa de serviço público de qualidade, de vacina no braço, de comida no prato e de dignidade”.

Ainda durante a live, os participantes responderam a diversas perguntas, como as enviadas pelo economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Paulo Kliass; e pelo presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), Célio Fernandes de Souza.

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