Era pra ser um recorde

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Wlademir dos Santos- Sorocaba- SP

Houve um tempo, até pelo final dos sessenta, em que a melhor fonte para diligenciar se um autônomo havia exercido de fato a atividade eram os registros do Imposto de Indústria e Profissões nas prefeituras. Os livros, escriturados à mão, continham data de início de atividade e, mês a mês, os valores pagos. A diligência era fácil de ser cumprida.

Em determinado instante, no entanto, os políticos descobriram como a coisa era fiscalizada e passaram a inscrever seus eleitores como autônomos com o evidente propósito de fabricar benefícios. Dezenas de lavadeiras, faxineiras, costureiras, cozinheiras e não sei o que mais em qualquer cidadezinha. Dali em diante os livros das prefeituras não nos serviram mais como prova do exercício da profissão.

Certa vez recebi cerca de trinta requisições de diligência (RDs) para cumprir numa cidadezinha de seus dez mil habitantes. Todas para verificar o efetivo exercício de atividade autônoma.

Em cidade pequena, meia hora depois que se chega todo mundo sabe que você é um fiscal. Não é possível manter segredo e as informações recolhidas são duvidosas. Mas nesse dia tomei o cuidado de não comparecer à prefeitura, estacionar meu carro numa rua mais ou menos deserta e andar pela cidade apenas com um livro e a lista dos casos que devia pesquisar. Nada de pasta ou qualquer sinal exterior. Mal cheguei próximo do centro, um moço me abordou: o senhor é o novo pastor evangélico? Veio substituir o Jonas Comedor?

A personagem me calhava sob medida. Sim, sou o novo pastor. Não precisei dizer mais nada para saber tudo sobre o pastor Jonas, que havia saído fugido da cidade porque andara com a mulher do delegado. Soube também, sem ter perguntado, muita coisa sobre personalidades da cidade.

Estabelecido o contato, perguntei ao moço sobre uma determinada rua. Essa rua que o senhor deseja é exatamente aquela que passa na frente da igreja, está vendo? Sim. Eu estava vendo. E quem o senhor deseja nessa rua? Dona fulana de tal, respondi. Ah, sim. É uma lavadeira, a sua casa fica bem ao lado da igreja, é uma boa senhora.

Não tive dúvidas. A primeira diligência estava cumprida. Não sabendo que eu era o fiscal sua informação só podia ser verdadeira. Mesmo porque em uma cidade pequena todo mundo sabe da vida de todo mundo.

Aproveitei e perguntei da segunda pessoa da minha lista. É a terceira travessa indo aqui em frente, à direita. E quem o senhor vai procurar lá? Dona beltrana disse-lhe. Ah, sim, dona beltrana mora na casa verde, é uma faxineira. Dizem que ela é um caso do vereador fulano.

Pronto, em menos de cinco minutos tinha duas diligências cumpridas.

Não precisa de mais informação? Bem, aí saquei o terceiro endereço e ele conhecia a rua, dona sicrana e sabia que ela era costureira e que tinha um caso com o sacristão.

E aí perguntei pelo quarto, pelo quinto, e pelo sexto endereço. Já estava no décimo segundo e ele, em todos os casos, conhecia o segurado, sua atividade e umas coisinhas mais. Tentei racionalizar, em cidade pequena é assim mesmo, todo mundo conhece todo mundo. Doze diligências, em menos de meia hora era, seguramente, um recorde.

Uma ponta de dúvida perpassou minha mente e voltei à pergunta: mas você sabe se essa gente trabalha realmente nas atividades como você me disse?

– Ah, isso não sei não, senhor pastor. Disse o que lhe disse é porque sou eu quem escrituro o livro de indústria e profissões da prefeitura.