Artigo: Os efeitos econômicos da pandemia (Maria Inez Rezende Maranhão)

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Desde o final de março, entramos para um isolamento social, visando combater ou adiar o pico de contaminação pelo coronavírus. Inicialmente, assustados e cumprindo os decretos, a maioria fugiu de atividades externas. Agora, já repensam e reduzem o tempo em isolamento, pois sentem o agravamento da crise econômica, muitos sofrendo prejuízos pelo fechamento de locais de trabalho ou afastamento de suas atividades econômicas.

Desde o início deste ano, o mundo se colocou em alerta pelas notícias e comprovações de que se iniciava uma pandemia, disseminando por todos cantos da terra uma enfermidade então desconhecida, com alto índice de letalidade rápida em pessoas com baixa imunidade, idade avançada, grávidas ou crianças ainda frágeis. Muito já se discutiu sobre o surgimento, erros científicos e atrasos para avisarem as autoridades sanitárias, pois garantem que maiores ações preventivas na China teriam sido eficazes, se aplicadas à época em que surgiram as primeiras contaminações ou vazamentos da Covid19. O conhecimento da real situação, sem filtros ditatoriais, com ações conjuntas dos países, poderia ter reduzido as grandes consequências econômicas, como também, as dificuldades trazidas a muitos dos sete bilhões que habitam nosso planeta.

No Brasil, desde início de fevereiro/2020, mesmo antes das festividades do carnaval, o governo federal iniciou o enfrentamento normativo emergencial para a saúde pública decorrente da Covid-19. Porém, os governos estaduais parecem ter optado por adiar o enfrentamento à pandemia, que já se mostrava letal na China, Itália, Espanha etc. Provavelmente, porque algumas unidades da federação necessitam do turismo e da grande circulação econômica nas festas carnavalescas. Assim, desde o final de abril, exatamente os Estados receptores de turistas nacionais e internacionais, pelo seu afamado carnaval, já se encontram no pico da contaminação, com filas de mais de até mil doentes à espera de vaga na UTI, como se constata nas manchetes jornalísticas, apoiando a necessidade de normatizar a escolha dos critérios para a ocupação das poucas vagas surgidas nos respiradores e aparelhos de hemodiálise, organizados às pressas com dispensa de licitações, também, bombásticas.

Então, iniciou-se com normas federais as tentativas de  combate à contaminação pela Covid19, conforme longa listagem no site planalto, http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/quadro_portaria.htm . Em março, muitos Estados passaram a determinar o isolamento social, liberando pouquíssimas atividades a funcionarem com toda sua capacidade e mão de obra. Assim, com quase tudo fechado, exceto hospitais, farmácias e os grandes comércios essenciais, vimos “o mundo parar” e as pessoas se trancarem em suas residências, apenas com seus achegados por uma quinzena. Logicamente, os pequenos comércios, prestadores de serviço, trabalhadores informais ficaram quase sem faturamento, porém suas obrigações financeiras continuavam sendo exigidas, assustando de um modo diferente os responsáveis pelas famílias isoladas.

No início de abril, a União lançou o “Auxílio Emergencial” para beneficiar com três parcelas de R$ 600,00 todos os maiores de idade e mães adolescentes, que não estejam com benefício previdenciário ou Loas, caso tenham renda per capita de até meio salário mínimo e renda familiar de até R$ 3.135,00, além de renda tributável em 2018 de até R$ 28.559,70, conforme Lei 13.982/20. Portanto, 24% das famílias brasileiras são elegíveis a este auxílio financeiro. Conforme noticiado no site da Caixa, já foram realizados 76,8 milhões de downloads para o cadastro a este auxílio federal, que deverá beneficiar 50 milhões de brasileiros, com o crédito disponibilizado pela União de R$ 35,5 bilhões.

Como este benefício financeiro é pago por crédito bancário, diretamente pela Caixa, necessário estar com o cadastro ou CPF regular junto à Receita Federal do Brasil-RFB. Isto causou uma corrida à regularização documental de milhões de informais que não mantém conta bancária, trabalhos regulares ou até nunca necessitam de sua documentação pessoal. Assim, por vias oblíquas, a União está recadastrando ou conhecendo os de baixíssima renda e constantes informais, que não percebiam assistência financeira.

A mesma lei, que criou o Auxílio Emergencial para os informais que perderam suas fontes de renda, dobrou para meio salário mínimo a renda per capita máxima para idosos com mais de 65 anos ou deficientes de qualquer idade terem direito ao benefício assistencial Loas, enquanto durar nosso estado de calamidade pública.

Pouco antes do prazo máximo para o pagamento salarial dos empregados confinados e com seus empregos lacrados ou parcialmente abertos no mês de abril, a União implantou o sistema para o “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda”, criado pela MP 936/20, possibilitando que empresas, de qualquer porte ou prejuízo advindo pelo isolamento social, venham a cumprir, em até 30 dias, com o pagamento de seus empregados que tiveram suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, ou redução de jornada em 25%, 50% ou 70% pelo prazo máximo de 90 dias. O valor deste benefício é um percentual do Seguro-Desemprego a que cada trabalhador teria direito se tivesse sido demitido, variando de R$ 261,25 a R$ 1813,03. O empregado intermitente terá benefício fixo de R$ 600,00, sem mensurar se sua perda média foi superior a isto, comprovando a precarização causada pela Lei 13.467/2017.

Assim, apesar de lançado após milhões de demissões, este benefício, que visa preservar os empregos ainda formalizados, atende empresas de qualquer porte, não apenas facilita financeiramente as empresas com receita praticamente zerada durante o isolamento social, que podem nunca mais retornarem ao faturamento anterior, visto que o consumo já foi impactado por alterações nos costumes, necessidades e até pela redução do poder de compra da clientela, para ramos de atividades como alimentação fora de casa, decorações e festas em eventos que nunca mais ocorrerão, viagens áreas de lazer da terceira idade e outras.

Os Estados e Municípios ainda estão atuando apenas nos atendimentos de saúde, estruturando hospitalizações e primeiros atendimentos, o que vem comprovando a necessidade do SUS ser priorizado e bem estruturado, em vez de grandes dispêndios com estádios, consultorias e shows musicais, como vinha ocorrendo, principalmente, na época da copa do mundo.

Apesar de continuarem recebendo repasses do FNDE, Estados e Municípios ainda nada transferiram diretamente à sua clientela daqueles valores que deixaram de despender pelas escolas estarem fechadas. Já poderiam ter distribuído para as famílias dos alunos da rede pública os valores per capita da merenda escolar. Este atraso ou abandono da alimentação básica das crianças matriculadas piorou a situação das famílias de baixa renda, o que tem levado igrejas e entidades beneficentes a tentarem arrecadar para distribuírem cestas básicas, atendendo alguns dos apelos de socorro das diretoras e coordenadoras da rede pública, que têm contato com suas crianças e familiares.

Nenhum destes benefícios já deflagrados pela União seriam imagináveis até o final do ano passado, pois o governo se elegeu e se manteve propondo o Estado Mínimo, sempre apresentando projetos de leis e emendas constitucionais direcionadas ao corte de gastos sociais e da máquina administrativa, apesar de o Brasil contar com 11 milhões de servidores públicos, despendendo 13,1% do PIB com salários do funcionalismo público das três esferas, índice abaixo das 15 maiores nações, segundo a OCDE, apesar de o Brasil ainda ser a nona economia mundial. A constante alegação governamental de buscar o equilíbrio fiscal nunca vem acompanhada da apresentação de dados completos e reais do orçamento público, conforme estudos econômicos do IPEA, Unicamp, Dieese, Auditoria Cidadã, ANFIP, Fonacate etc, como se constata em artigos disponibilizados gratuitamente nos sites destas entidades. Antes desta pandemia, os gastos federais eram de apenas 3,42% do orçamento federal com benefícios assistenciais ou não provenientes do INSS, como se constata no gráfico do orçamento executado em 2019 pela União no site https://www.auditoriacidada.org.br.

No início de maio, consolidou-se a EC 106 ou a “emenda constitucional do orçamento de guerra”, que flexibilizou regras fiscais administrativas e financeiras, contratações de compras, obras e pessoal, durante o período da calamidade pública decorrente da pandemia. Nela, também, foi bastante facilitada a compra, venda e emissão de títulos, sem restringir o “tipo de saúde” do título do mercado secundário a ser negociado. Brevemente, a compra ou  transferência de “títulos podres” para a União, beneficiará de fato, com altos montantes, os atuais detentores de títulos não recebíveis, debêntures conversíveis em ações, cédulas de créditos já “na UTI”, agravando nossa dívida pública, como está nas entrelinhas das noticias, como https://www.camara.leg.br/noticias/659956-congresso-promulga-emenda-constitucional-do-orcamento-de-guerra/ e https://www.migalhas.com.br/quentes/326406/promulgada-ec-do-orcamento-de-guerra-para-enfrentamento-do-coronavirus. Esta piora da situação econômica do país se lê, claramente, em https://auditoriacidada.org.br/ultima-chance-para-barrar-golpe-de-trilhoes/  e https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/vieira-morau-barbosa-preciso-liminar-adi-6417df .

Pelo que estamos assistindo, o quantitativo total de mortes no Brasil até reduziu após a Covid-19, pois ainda se isolam, preservando a própria saúde e vida. Após os noventa dias com benefícios mínimos distribuídos aos de baixa renda, que passaremos pela real crise econômica do país, pois já podem ter emitido títulos públicos e adquirido papéis inegociáveis, dificultando financeiramente o país. Assim, caso o STF não conceda liminar na ADI 6.417/DF, barrando a supressão inconstitucional pela Câmara Federal de itens já aprovados pelo Senado no rápido trâmite da PEC 10/2020, certamente, serão beneficiados poucos em detrimento da população, pois perderemos recursos para investimentos nas áreas de saúde, educação, assistência social e infraestrutura.

Precisamos torcer e pedir iluminação divina ao STF, para que a EC 106 seja revista antes de um maior empobrecimento da nação, concentrando ainda mais a renda brasileira.

(*) É Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil – maria.inez@anfip.org.br.