Após período de negociação entre trabalhadores, empresas e governo, chegou ao Congresso Nacional o projeto de lei complementar que disciplina a relação de trabalho intermediada por aplicativos de transporte de passageiros. O objetivo da proposição é estabelecer regras trabalhistas e previdenciárias que incluam os prestadores de serviço no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Para analisar o assunto, os Auditores Fiscais Alex Assis de Mendonça, Kerlly Huback Bragança e Bernardo de Campos Machado se debruçaram sobre o projeto de lei para demonstrar o que o texto traz de inovação jurídica, assim como propor sugestões de aprimoramento do desenho da cobertura securitária.
Em relação à tributação previdenciária, os Auditores destacam que a nova categoria profissional, chamada de “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”, será caracterizada como de trabalhadores autônomos, ou seja, sem relação de emprego com a operadora da plataforma digital. Desta forma, ratifica-se que os motoristas são segurados obrigatórios, na categoria de contribuinte individual, todavia, com alíquota de 7,5% sobre o salário de contribuição, que deve corresponder a 25% do valor bruto auferido no mês. A operadora da plataforma digital, por outro lado, mesmo sem ser empregadora, será responsável pela contribuição previdenciária patronal, com alíquota de 20%, incidente sobre o salário de contribuição do trabalhador, sem se limitar ao teto do RGPS (atualmente em R$ 7.786,02). É o recolhimento desses valores que garantirá aos motoristas de aplicativo o direito à aposentadoria e ao auxílio por incapacidade temporária, por exemplo.
Os Auditores Fiscais alertam, entretanto, que o projeto de lei cria uma duplicidade de base de cálculo da contribuição previdenciária do motorista, gerando dúvidas sobre qual modelo adotar. Isso porque o projeto de lei dispõe que a base de cálculo será o salário de contribuição e deverá equivaler a 25% do valor bruto auferido (art. 10, caput e §1º), ou seja, não há limite de valor, salvo o teto máximo do RGPS; já o §2º do art. 21 da Lei 8.212/91, onde será inserida a alíquota de contribuição de 7,5%, estabelece que a base de cálculo é o limite mínimo mensal do salário de contribuição, de um salário mínimo nacional. Conforme análise dos Auditores, pelo projeto de lei, como haverá a contribuição previdenciária patronal, a base de cálculo da contribuição do segurado não poderia se limitar ao valor do salário mínimo nacional.
Outra crítica estabelecida pelos pesquisadores é de que a contribuição previdenciária devida pelas plataformas digitais de transporte deveria constituir receita para a Previdência Social, e não para a Seguridade Social como um todo, que se sujeita à Desvinculação das Receitas da União.
Já um ponto positivo identificado no projeto é que caberá à empresa operadora reter e recolher a contribuição previdenciária dos motoristas e enviar informações ao eSocial, o que tornará o recolhimento automatizado, garantindo proteção previdenciária ao trabalhador. “A falta de conhecimento do prestador de serviços autônomo quanto a operacionalizar a própria inscrição no RGPS, apurar a contribuição previdenciária, preencher o documento de arrecadação e observar o prazo de recolhimento sempre dificultou o trabalhador, que atua por conta própria, a conquistar a qualidade de segurado do RGPS”, destacam. Para os Auditores, implementar a substituição tributária é um grande passo para ampliar o número de trabalhadores com proteção previdenciária, que hoje está em 23,6%, dos 704 mil motoristas em exercício, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do quarto trimestre de 2022.
Os Auditores Fiscais alertam ainda que o projeto de lei precisa estabelecer que as empresas operadoras informem, da maneira mais didática possível, aos trabalhadores cadastrados, quando auferirem no mês, a título de remuneração sujeita à contribuição previdenciária, valor inferior ao salário mínimo nacional, as consequências previstas no art. 19-E do RPS, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 1999, caso não realizem os ajustes previstos no art. 29 da Emenda Constitucional nº 103, de 2019, sob pena de, não o fazendo, não conseguirem a proteção previdenciária pretendida.
O projeto de lei complementar foi protocolado dia 5 de março na Câmara dos Deputados, como PLP 12/2024. O documento é resultado de acordo do grupo de trabalho tripartite, criado em maio de 2023, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal. O texto entrará em vigor após 90 dias de aprovado pelo Congresso Nacional. Confira aqui o PLP.