Problema não é a falta de recursos

560

Por Cida Bento*

Auxílio emergencial deve ser discutido à luz da má distribuição de renda

Num dos momentos mais dramáticos de uma pandemia completamente sem controle, o Brasil atinge mais de 1.700 mortes em 24 horas e precisa dar respostas imediatas e se preparar para enfrentar uma situação que deve se prolongar e que envolve a ampliação do contingente de famílias vulnerabilizadas, sem auxílio emergencial, sem acesso à vacina e sem condições de conseguir trabalho.

Parte expressiva da população brasileira vive intensa insegurança alimentar que se intensificou com a interrupção do auxilio emergencial. Basta lembrar que 61% do valor do valor do auxílio foi gasto com alimentação, por pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos, segundo pesquisa do Datafolha de 2020. E 49% da população negra tinha 0 auxílio como única fonte de renda, ante38% entre os brancos. A população negra é a primeira que fica desempregada e é a que mais se encontra na informalidade.

Também é uma população que participa expressivamente do setor de serviços, um dos mais afetados pela pandemia -não tendo vacina, esse setor não consegue se reorganizar. Assim, é fundamental assegurar uma resposta imediata -0 retorno do auxilio emergencial de RS 600 até 0 fim da pandemia e a vacina contra a Covid-19, principal mente para os segmentos mais vulneráveis, como os profissionais da saúde, os idosos, os moradores das periferias e os quilombolas, que vivenciam maior letalidade diante do coronavírus e de suas variantes.

É nesse contexto de extrema gravidade que mais de 250 organizações da sociedade civil vêm se mobilizando e debatendo a renda mínima como solução a longo prazo, dentre elas o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a partir do qual fala José Antônio Moroni, ao Instituto Humanitas, da Unisinos: “O governo gastou com 0 auxílio emergencial RS 390 bilhões e beneficiou diretamente mais de 68 milhões de pessoas e, indiretamente, mais de 100 milhões. E esse dinheiro retornou para a economia real. Para 0 sistema financeiro, o governo disponibilizou RS 1,216 trilhão. Beneficiou quantas famílias? Não cabem na ‘palma da mão”!

De outro lado, Oded Grajew em artigo nesta Folha, defende, por exemplo, taxara fortuna dos mais ricos e destinar os recursos à renda básica.

Ele destaca que uma taxação de 0,5% a 1,5% sobre as 59 mil pessoas (apenas 0,028% da população brasileira) com patrimônio superiora RS 10 milhões renderia RS 40 bilhões por ano. sendo que o Bolsa Família custa RS 35 bilhões por ano! Oded se reporta a dados da Fenafisco e da ANFIP organizados pelo professor Eduardo Fagnani.

Ou seja, diferentes estudiosos, bem como coletivos de organizações sociais, vêm discutindo 0 auxilio emergencial à luz das persistentes desigualdades sociais brasileiras, contemplando várias alternativas que reconhecem que nosso problema não é a falta de recursos, mas a sua distribuição, como se pode observar no nosso sistema tributário, regressivo, que taxa mais consumo e menos riqueza e no qual quem tem mais paga menos.

Assim, é preciso pressionar pelas soluções emergenciais e investir naquelas mais a longo prazo.

Na iminência da votação da prorrogação do auxílio emergencial, os parlamentares do Congresso Nacional se encontram diante de um grande desafio: decidir se votarão contra a miséria, a fome e 0 desemprego do povo brasileiro e em defesa do SUS, do Suas, ou se defenderão uma política econômica que é concebida de costas para a populaçáo brasileira e que fragiliza políticas públicas distributivas, ampliando a concentração de renda, a destruição ambiental e as desigualdades sociais no país.

*É diretora-executiva do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT)